"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

31 maio 2011

Dúvidas Sobre Reuniões de Desobsessão



[…] A orientação mais segura é no sentido de que as reuniões de desobsessão não ocorram com a presença do obsediado.

É importante sabermos diferenciar um simples Espírito sofredor de um Espírito obsessor.

O sofredor vem trazido pela Espiritualidade apenas em busca de ajuda e de esclarecimentos, e uma vez obtidos, segue o seu caminho.

Já com o obsessor não é tão simples; é um Espírito desencarnado que tem um vínculo muito forte com o obsediado, tem uma idéia fixa de vingança ou uma mágoa muito profunda com este; cuja causa ou origem vem de encarnações passadas ou na própria existência atual e, na maioria das vezes, o obsediado REALMENTE fez algum mal ao obsessor e agora estão ligados pela “Lei de Causa e Efeito” ou da “Ação e Reação”.

Se forem colocados frente a frente seria uma verdadeira “lavagem de roupa suja”, [...] com acusações mútuas, com previsíveis ocorrências de tumulto e desequilíbrios.

Predomina na Doutrina Espírita que a cura da obsessão começa pela evolução moral do obsediado com encaminhamento ao estudo e à prática do Evangelho de Jesus.

Enquanto o Espírito obsessor é encaminhado ao trabalho de desobsessão, o obsediado é submetido à terapia da moral do Cristo e, muitas vezes, ao tratamento médico.

As instruções predominantes são […] o diálogo entre o orientador e o obsessor; tratar o obsessor com muito AMOR e com muita CARIDADE, tentado a todo custo demovê-lo da intenção ferrenha de vingança e de revanche.

Outra coisa, em trabalhos de desobsessão também é terminantemente desaconselhável que o mesmo seja público, ou seja, deve ser somente com a presença de médiuns que tenham sólidos conhecimentos espíritas, tenham afinidade entre sí e que estejam moralmente muito bem equilibrados.

O clima em uma reunião de desobsessão deve ser semelhante ao de uma sala de CTI hospitalar, própria para tratamento de pacientes graves (no caso, o obsessor), ambiente esterilizado, silêncio, respeito e presença somente dos especialistas.

No CTI hospitalar, permite-se a presença somente dos médicos e dos enfermeiros, na sala mediúnica, a presença somente dos médiuns ostensivos, médiuns de sustentação, médiuns passistas e orientadores.

E, não tenha dúvidas de que nestas salas existem também equipamentos próprios do mundo invisível, conforme relatado nos livros de André Luiz, psicografados por Francisco Cândido Xavier.

No CTI hospitalar não são admitidas as presenças de leigos em medicina e curiosos no ambiente de socorro aos pacientes graves e muito menos de pessoas que poderiam deixar os pacientes agitados e agressivos.

(Paulo Fran)






Obsessão


Há obsessores terríveis do homem, denominados "orgulho", "vaidade", "preguiça", "avareza",
"ignorância" ou "má-vontade", e convém examinar se não se é vítima dessas energias perversas que, muitas vezes, habitam o coração da criatura, tornando-a cega para a compreensão da luz de Deus.  Contra esses elementos destruidores, faz-se preciso um novo gênero de preces, que se constitui de trabalho, fé, esforço e boa-vontade.
(Emmanuel) 

 * * *

As causas da obsessão variam, de acordo com o caráter do Espírito. 

Na maioria das vezes é uma vingança, contra um indivíduo de quem se guardam queixas da vida presente ou outra existência. 

Muitas vezes, também, não há mais do que o desejo de fazer mal: o Espírito, como sofre, entende que deve fazer que os outros sofram.

Encontra uma espécie de gozo em atormentar, em os vexar, e a impaciência que a vítima demonstra  mais o exacerba, porque esse é o objetivo que deseja, ao passo que a paciência o leva a cansar-se.

O perseguido ao irritar-se e mostrar-se despeitado, faz exatamente o que quer o seu perseguidor.  .

Esses Espíritos agem, não raro por ódio e inveja do bem;  daí lançarem suas vistas malfazejas sobre as pessoas mais honestas.

Um deles se apegou […] a uma honrada família do nosso conhecimento, à qual, aliás, não teve a satisfação de enganar. 

Interrogado acerca do motivo por que se agarrara a pessoas distintas, em vez de o fazer a homens maus como ele, respondeu: “estes não me causam inveja.”

Outros são guiados por um sentimento de covardia, que os induz a se aproveitarem da fraqueza moral de certos indivíduos, que eles sabem incapazes de lhes resistirem. 

Um destes últimos, que subjugava um rapaz de inteligência limitada, interrogado sobre os motivos dessa escolha, respondeu:

-”Tenho grandíssima necessidade de atormentar alguém. Uma pessoa criteriosa me repeliria; ligo-me a um idiota, que nenhuma força me opõe.” [...]

Há pessoas repletas de boas intenções e que não deixam de ser obsidiadas.

O melhor meio de nos livrarmos dos Espíritos obsessores é cansar-lhes a paciência, nenhum valor lhes dar às sugestões, mostrar-lhes que perdem o tempo.  

Em vendo que nada conseguem, afastam-se.

A prece é em tudo um poderoso auxílio. Mas, não basta que alguém murmure algumas palavras, para que obtenha o que deseja.  

Deus assiste os que trabalham, não os que se limitam a pedir.  

É, pois, indispensável que o obsidiado faça, por sua parte, o que se torne necessário para destruir em si mesmo a causa da atração dos maus Espíritos.

Os meios de se combater a obsessão variam, de acordo com o caráter que ela reveste. 

Duas coisas essenciais se têm que fazer nesse caso: provar ao Espírito que não se está iludido por ele e que lhe é impossível enganar;  depois, cansar-lhe a paciência, mostrando-se mais paciente que ele. 

Desde que se convença de que está a perder tempo, retirar-se-á, como fazem os importunos a quem não se dá ouvidos.

Isto, porém, nem sempre basta e pode levar muito tempo, pois há Espíritos persistentes, para os quais meses e anos nada são.  

Além disso, portanto, deve-se dirigir um apelo fervoroso ao seu anjo bom, assim como aos bons Espíritos que lhe são simpáticos, pedindo-lhes que o assistam.  

Quanto ao Espírito obsessor, por pior que seja, deve-se tratá-lo com severidade, mas com benevolência e vencê-lo pelos bons processos, orando por ele. 

Se for realmente perverso, a princípio zombará desses meios; porém, moralizado com perseverança, acabará por emendar-se. 

E uma conversão a empreender, tarefa muitas vezes penosa, ingrata, mesmo desagradável, mas cujo mérito está na dificuldade que ofereça, se bem desempenhada, dá sempre a satisfação de se ter cumprido um dever de caridade e, quase sempre, a de ter-se reconduzido ao bom caminho uma alma perdida.



 

Dez Mandamentos para o Trabalho Espiritual


   
1. Não se desconectar da matéria

O excesso de espiritualismo pode criar uma descompensação com graves prejuízos para a vida pessoal e material de uma pessoa. 

A matéria é tão importante quanto o espírito; ambos são matizes, graus da mesma manifestação. Nenhum dos dois pode prevalecer sobre o outro.
 
Antídoto: Equilíbrio.
 
2. Não despertar os poderes antes da consciência
Os poderes estão a serviço da consciência. Não é preciso buscá-los; quando chega o momento, eles surgem naturalmente. 
Buscar o poder antes do saber é inverter a ordem natural do processo. Para que sirvam a consciência, os poderes devem ser doados a partir de algo além de nossa vontade.
 
Antídoto: Eqüanimidade.
 
3. Não fixar-se em pessoas em vez de em suas informações
Você não monta uma casa em um túnel. 
Ele é só um meio para se chegar até ela..
Quem depende de um mestre volta à infância psicólogica. Em um processo de iniciação ou terapêutico isso pode ser necessário, mas somente como uma fase a superar, e não como um estado onde parar.
 
Antídotos: Discernimento e Moderação.
 
4. Não sentir excesso de autoconfiança
Quem se crê autosuficiente é uma presa fácil para os agentes do engano e não raro se vê envolvido por eles. 
Quem crê demais na própria capacidade está fadado a equivocar-se.
 
Antídoto: Desconfiar de Si Mesmo.
 
5. Não sentir-se superior
 Nunca julgue que a própria linha de trabalho é superior às demais. 
 Essa superioridade é a antítese do esoterismo, que afirma justamente a onipresença da consciência em todos os seres e caminhos. 
 Essa postura desconecta uma pessoa das autênticas correntes da consciência amplificada, e é o ponto de partida para a via negra.
 
Antídoto: Eqüidade.
 
6. Não deixar-se levar por impulsos messiânicos
A vontade de salvar os demais é uma armadilha fatal. 
Sua tela de fundo é a vaidade e a insegurança. 
Essa fobia paranóica rompe com os canais de conexão com o mestre interior, bloqueia o processo de autoconhecimento e lança a espiritualidade numa espiral involuta, além de inibir o direito ao “livre-arbítrio de cada um”.
 
Antídoto: Confiança na Existência.
 
7. Não tomar medidas inconseqüentes
O entusiasmo pode levar uma pessoa a romper com seu círculo profissional e familiar sem necessidade. 
Com o “fluir” ou o “fechar os olhos e saltar” — axiomas que só deveriam ser usados em situações muito especiais —, os mais entusiasmados do mundo esotérico incentivam os recém-chegados a se arrebentarem logo na largada.
 
Antídoto: Responsabilidade Serena.
 
8. Não agir com demasiada rigidez
 Encantada com as novas informações que lhe ampliam a consciência, uma pessoa pode-se tornar intolerante. 
 Ela tem a tentação de impor sua forma de pensar e seus modelos de conduta aos demais. 
 Limitando sua capacidade de ver a partir de outras perspectivas, ela perde o acréscimo de consciência que havia conquistado.

 Antídoto: Tolerância e Relaxamento.
 
9. Não se dispersar
Estudar ou praticar demasiadas coisas ao mesmo tempo sem aprofundar-se em nenhuma delas leva a uma falsa sensação de saber. 
Nessa atitude, pode-se passar uma vida inteira andando em círculos, enquanto se faz passar por um sábio.
 
Antídoto: Concentração.
 
10. Não abusar
Manipuladas, as informações espirituais servem de álibis ou justificativas convincentes para os piores atavismos. 
Usar essas informações para fins muito particulares é um crime. 
Ninguém profana impunemente o que pertence a todos.
 
Antídoto: Retidão e Integridade.
 
 
Equilíbrio, eqüanimidade, discernimento e

moderação, eqüidade, tolerância e relaxamento, 

confiança na existência, responsabilidade serena, 

desconfiança de si mesmo, concentração, retidão 

e integridade são a grande proteção daquele que 

se aventura pelo mundo espiritual e esotérico.

 
Por outro lado, quem se assegura dessas 

qualidades pode fazer o que quiser nesse campo 

que estará sempre num bom caminho.

 

(Fabio Fittipaldi)






29 maio 2011


...nada é esquecido; nem um mero juramento pronunciado deixa de vibrar através dos tempos, numa ampla corrente disseminadora de som; nem uma prece é murmurada sem que o seu registro seja fixado nas leis da natureza pelo selo indelével da vontade do Todo-Poderoso.

(baseado em texto original de Peter Cooper)

28 maio 2011

Dica de Livro: Coleção "Histórias que os Espíritos contaram" - Hermínio C. Miranda





Consiste numa série de livros: "O Exilado", "A Dama da Noite" e "A Irmã do Vizir", onde o autor comenta e reproduz a doutrinação e os diálogos com os Espíritos, gravados em reuniões mediúnicas.
 
Existem inúmeros relatos que nos comovem, emocionam, ensinam e muitas vezes nos surpreendem, comprovando que todo sofrimento pelo qual passamos tem uma causa espiritual e que cada gesto impensado terá sua cobrança.

Durante a leitura evidenciamos ainda que a morte apenas transfere para nova existência as conquistas, boas ou aflitivas, de cada ser durante sua experiência carnal. 

Leitura recomendadíssima!! 





26 maio 2011

Passagem das horas - Álvaro de Campos


Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

[...]

Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.

A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta estrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta saciedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

[…]

(Álvaro de Campos)





Acaso - Pedro Mariano

Desdobramento espiritual - O sonho é o aquário da noite


Todos as noites de nossa vida em que conseguimos dormir, realizamos o que o espiritismo chama de desdobramento, ou seja, nosso espírito se liberta do corpo físico, que descansa, e nessa libertação "retorna" ao seu habitat natural.

Esse desdobramento também acontece em outras situações como hipnose, meditação, traumas violentos, anestesia... mas nosso foco hoje é o desdobramento induzido pelo sono.

O que faz o espírito nesses momentos?

No livro dos espíritos, codificado por Allan Kardec, vemos no capítulo VIII, na parte que fala sobre a emancipação da alma essas duas questões :

O sono e os sonhos
400. O Espírito encarnado permanece de bom grado no seu envoltório corporal?

É como se perguntasses se ao encarcerado agrada o cárcere. O Espírito encarnado aspira constantemente à sua libertação e tanto mais deseja ver-se livre do seu invólucro, quanto mais grosseiro é este.”

401. Durante o sono, a alma repousa como o corpo?

Não, o Espírito jamais está inativo. Durante o sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, não precisando este então da sua presença, ele se lança pelo espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos. ”

Aliando-se a essas informações trazidas por Kardec, as mensagens de Chico Xavier e Divaldo Pereira Franco são ricas em dados sobre o desdobramento.

Durante esses momentos do sono obtemos o que procuramos durante o dia, ou seja, podemos aproveitar nossas noites em companhia dos mentores e amigos espirituais, assim como podemos nos transportar para regiões infelizes do astral inferior, onde nos localizamos por afinidade energética.

Em uma ou outra ocasião colhemos os frutos de nossas ações, obtendo nessas regiões de ventura ou de sofrimento, o que procuramos.

Uma analise mais séria, nos indica que se tivessemos o hábito de treinar o desdobramento viveríamos de forma muito mais tranquila.

Uma oração antes de dormir, com um pedido sincero de proteção, nos livraria de muitas dificuldades que nos mesmos criamos.

A questão é que como pedirmos uma coisa a noite enquanto fazemos o oposto o dia inteiro ?

A nossa saída do corpo durante a noite pode ser direcionada pela ação da nossa vontade sincera, dessa forma podemos participar de aulas, cursos, tratamentos espirituais, aproveitando também nossas noites para nosso desenvolvimento espiritual.

É o nosso livre arbítrio operando novamente. Basta escolhermos o caminho mais curto.

Abaixo segue trecho do grande escritor Victor Hugo, retirado do livro “Os trabalhadores do mar”, onde ele fala sobre o desdobramento de forma maravilhosamente poética :


...O sono está em contato com o possível, que também chamamos o inverossímil.

O mundo noturno é um mundo. A noite é um universo.

O organismo material humano, sobre o qual pesa uma coluna atmosférica de 15 léguas de altura, chega a noite fatigado, cai de fraqueza, deita-se, repousa; fecham-se os olhos da carne; então, naquela cabeça adormecida, menos inerte do que se crê, abrem-se outros olhos, aparece o desconhecido.

As coisas sombrias do mundo ignorado tornam-se vizinhas do homem ou porque haja verdadeira comunicação, ou porque as distâncias do abismo tenham crescimento visionário; parece que as criaturas invisíveis do espaço vem contemplar-nos curiosas a respeito da criatura da terra; uma criação fantasma sobe ou desce para nós, no meio de um crepúsculo; ante a nossa contemplação espectral, a vida que não é a nossa agrega-se e dissolve-se, composta de nós mesmos e de um elemento estranho; e aquele que dorme, nem completo vidente, nem completo inconsciente, entrevê as animalidades estranhas, as vegetações extraordinárias, as cores lívidas... todo esse mistério a que chamamos sonho e que não é mais do que a aproximação de uma realidade invisível. 

O sonho é o aquário da noite.” (Victor Hugo)







O valor da palavra




Nasci no Brás, em plena Segunda Guerra Mundial.

Era um bairro cinzento, com ruas de paralelepípedos, cortiços, apitos de fábricas, molecada jogando bola e homens que saíam ainda no escuro com a marmita embrulhada em folha de jornal.

Embora meu pai tivesse vindo da Espanha com dois anos e minha mãe fosse filha de portugueses, havia tantos imigrantes na vizinhança que nossa casa era conhecida como "a dos brasileiros".

Os italianos eram maioria e de longe os mais barulhentos; falavam dialetos tão distintos que não conseguiam entender uns aos outros. Aqueles oriundos do norte da Itália, geralmente operários especializados, tratavam com uma ponta de desprezo seus conterrâneos do sul: calabreses, napolitanos e sicilianos.

Para juntar os filhos na hora do almoço, as mães precisavam sair no portão, gritar, xingá-los de miseráveis e ameaçar esganá-los; no jantar, jamais. No fim do dia, mal o pai virava a esquina com a marmita, os meninos largavam a bola e corriam para dentro.

Os homens vestiam roupa escura, mantinham o cenho carregado e um olhar grave que só desanuviava quando se reuniam para beber vinho no armazém da esquina, com os copos dispostos no tampo das barricas de azeitona, ao lado de pilhas de bacalhau salgado e sacos de mantimentos, ou quando recebiam os familiares nos almoços dos domingos, em comemorações musicais que nem sempre acabavam bem.

Naquele tempo, a palavra empenhada valia mais do que papel passado.


Fui criado ouvindo que selar contrato com um fio de barba era a melhor forma de garantir seu cumprimento e que não havia condição humana mais desprezível do que a do homem sem palavra.

Quando cresci, dei-me conta de que, na cidade que se modernizava, a palavra havia perdido o valor em meio a um emaranhado de leis confusas e de ações judiciais intermináveis. Só vinha ao caso o que estivesse registrado em cartório.

Contraditoriamente, assisti à recuperação do valor ético da palavra justamente entre aqueles que a sociedade considera sua escória mais indigna: os ladrões, os traficantes e os assassinos presos nas cadeias.


Na vida fora-da-lei, o respeito que um homem impõe entre seus companheiros é diretamente proporcional à assiduidade com que cumpre promessas feitas e respeita compromissos assumidos.

Enganam-se os que imaginam o mundo dos marginais desprovido de regras de convívio, palco de atos criminosos dirigidos indistintamente contra a sociedade e contra os próprios pares.


Existe um código penal que rege o crime, não escrito, mas rígido, implacável, baseado no respeito à palavra proferida. Infringi-lo implica em punição aplicada com extremo rigor: agressão física, condenação ao ostracismo ou à morte, segundo a gravidade da infração.

Embora não esteja em nenhum livro, tal código prevê todas as situações imagináveis.


Ele não tem a complexidade, nem os pontos controversos, nem a ineficácia do nosso.


Pelo contrário, separa com precisão o certo do errado: entregar uma cesta básica todos os meses para a esposa do companheiro preso ou assumir sozinho a culpa dos parceiros são procedimentos corretos. Assediá-la ou delatá-los está errado. Não há atenuantes; crimes não prescrevem.


É preto no branco.

As penas de morte são executadas prontamente.
Essas leis transmitidas oralmente surgem porque somos primatas sociais. Não há caos que consiga persistir por muito tempo nos agrupamentos humanos.

As leis do crime exaltam os que cumprem a palavra e execram os que mentem, delatam e não pagam dívidas, porque os bandidos não podem usar o sistema legal vigente na sociedade que agridem:
- Se o parceiro fica com minha parte no roubo, posso mover uma
ação de perdas e danos contra ele?

Se lembrarmos que o mundo do crime tem outra face, que não alberga apenas ladrões de rua ou traficantes de favela, mas governantes que roubam dinheiro público, empresários que os corrompem para assinar contratos escandalosos, sonegadores contumazes de impostos e agentes do mercado financeiro que investem os recursos obtidos ilegalmente, entendemos porque políticos e seus corruptores são obedientes às mesmas leis da marginalidade pé-de-chinelo que superlota nossas cadeias.

Por isso, jamais explicam a origem da propina recebida e morrem tesos, mas não entregam os comparsas envolvidos.


Quando, excepcionalmente, algum deles o faz, corre risco de morte ou de cassação dos direitos políticos.

(Drauzio Varella)

Fonte:



Pedaço do céu


Às vezes você se sente deslocado no planeta que habita, como se o Criador o tivesse jogado a esmo, e você tivesse caído em local inóspito e infeliz...

Olha ao redor e tem a sensação de que todos estão bem encaixados, como engrenagens vivas nessa imensa máquina chamada sociedade, menos você.

Parece até que as pessoas não o vêem, não o ouvem, e sente-se como um fantasma que se move, sem rumo e sem alegria.

E pensa que seria tão bom se você pudesse fazer parte das alegrias de todos, das conquistas alheias, das belezas da natureza que o cerca.

Seria ainda melhor se todos percebessem seus talentos, seus esforços, suas pequenas vitórias e o amparassem nos seus dias de tristezas...

Sente que pode estar no mundo errado, no momento errado, com as pessoas erradas, e talvez fosse mais feliz se alterasse a rota, trocasse de posição com outra pessoa, fosse outro ser qualquer...

Você olha o céu e analisa os pássaros, na sua trajetória maravilhosa, a planar ao vento com o sol a brilhar sobre suas penas...

É delicioso ser pássaro, pensa você.

Volve os olhos ao mar e analisa os peixes, com suas cores diversas, tamanhos variados e pensa na maravilha que é nadar no recife entre os corais, na água tépida...

Seria tão bom ser peixe..., pensa você.

Observa árvores gigantescas, arbustos, plantas, flores e frutos à disposição dos seres selvagens.

E pensa que não seria nada mau ser um tigre a desfrutar da liberdade, a correr leve e solto, sem peias, sem amarras...

Volta seu olhar para o seio da terra e vê seres que cavam tocas profundas, bem feitas e, embora ache escuro, observa os seres que lá habitam e medita que não seria nada ruim habitar as entranhas da terra...

Volve seu olhar a todos esses seres que habitam o planeta e analisa prós e contras, e percebe cada um com um pedacinho do céu.

E assim é a vida de cada um de nós: diferente, formando habilidades múltiplas, desenvolvendo aptidões diversas, com prós e contras.

Mas, assim como o pássaro não pode nadar, o peixe habitar a selva nem o tigre voar, cada um tem um pedacinho do céu em suas vidas.

Saiba verificar qual é o seu pedaço do céu. Não ambicione o céu alheio.

É possível que você não esteja preparado para vivenciar a realidade alheia.

Talvez lhe falte envergadura. Talvez lhe sobre possibilidades.

E não há nada pior do que estar no lugar errado, na hora errada.

Conscientize-se de que você tem o pedaço do céu que merece e que tem a capacidade de desfrutar.

De que adiantaria o pôr-do-sol mais esplendoroso para quem não pode enxergar?

Viva o seu momento, na certeza de que a vida futura lhe reserva experiências diferentes, mestres diferentes e, sobretudo, o pedaço do céu que lhe pertence...

Pense nisso!

Este é o seu momento de crescer, de produzir, de colaborar com o Criador exatamente onde ele o colocou.

Seja feliz no seu pedacinho do céu, que é único e é seu!



(Equipe de Redação do Momento Espírita, com base em mensagem do Espírito Stephano, psicografada por Marie-Chantal Dufour Eisenbach, na Sociedade Espírita Renovação, no dia 23/05/2005).