"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

23 agosto 2011

Nas Sombras



Belizário imaginava viver um pesadelo.

Transitava por região de denso nevoeiro, lúgubre, vegetação rasteira, ouvindo gritos e clamores de gente agoniada.

Vozes impiedosas vociferavam contra ele.

— Hipócrita! Mau-caráter! Bandido! Explorador dos fracos! Mentiroso contumaz!

Em que abismo insondável fora segregado?

De onde vinham aquelas acusações?!

Que inimigos desconhecidos estavam unidos no propósito de atormentá-lo?!

Que era feito de sua família, Suzana, a esposa, Júnior, Maurício e Carmem, os filhos amados?

Tinha sede e fome.

Fugia sempre, cambaleante, inquieto, apavorado, a derramar lágrimas ardentes, sentindo-se ameaçado por forças tenebrosas.
Filho de pais espíritas, desde cedo fizera sua iniciação.

Frequentara os cursos para a infância e juventude; estava ligado a um Centro Espírita.

Conhecia o bê-á-bá da Espiritualidade, revelado pela Doutrina, o que lhe permitiu identificar sem delongas onde estagiava compulsoriamente.

Certamente era o umbral!
Sim, o umbral! O terrível purgatório do qual tomara conhecimento lendo Nosso Lar, a monumental obra do Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier.

Quando lhe ocorreu essa idéia, desesperou-se.
— Meu Deus! Morri!

Mais ardentes se tornaram suas lágrimas.
Não era possível! Tinha apenas cinquenta e cinco anos! Família a cuidar, a indústria, os negócios e compromissos!

Não! Deus não podia fazer isso com ele!
Orou como nunca o fizera, ajoelhado, mãos postas, implorando à Misericórdia Divina que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo terrível!

Queria acordar, livrar-se daquela paisagem sinistra, superar os tormentos que assolavam sua alma, encontrar um lenitivo!
Que sortilégio o conduzira até ali?!

Sempre entendera que sua ligação com o Espiritismo seria um passaporte garantido para paragens mais amenas, em contato com benfeitores e o reencontro maravilhoso com amigos e familiares desencarnados.

Jamais imaginara que a morte lhe reservasse semelhante surpresa!

Nunca se dera ao trabalho de ponderar que muito será pedido a quem muito se ofereceu, segundo as sábias palavras de Jesus.

Embora inteligente e culto, nunca atentara à responsabilidade de ser espírita, nem percebera um ponto fundamental: O conhecimento da verdade implica compromisso com ela!

A visão de realidade espiritual, proporcionada pela Doutrina Espírita, impõe retificações na conduta que jamais se dispusera a efetuar.

Ficara sempre em águas de superficialidade, sem realizar o mínimo esforço no sentido de ajustar-se aos valores do Evangelho, conforme sinalizam os princípios codificados por Allan Kardec.

***

Não saberia dizer por quanto tempo esteve assim, a chorar, suplicando ajuda à Misericórdia Divina.
Somente quando cessou o questionamento egoístico, favorecendo um toque de humildade; quando caiu em si, conforme a Parábola do Filho Pródigo (Lucas, 15:11-32), reconhecendo sua própria pequenez diante de Deus, modificou-se o panorama de suas amarguras.

Pelo véu espesso das lágrimas, viu surgir alguém.
— Então, meu caro Belizário, está gostando deste SPA da alma?

Nosso herói identificou de pronto o velho Ferreira, espírita sempre bem-humorado e dedicado às lides doutrinárias.

Desencarnara há alguns anos, após uma existência plena de realizações no campo do Bem.

Ergueu-se e o abraçou, a chorar copiosamente.
— Ah! Ferreira, meu caro Ferreira! Sua presença confirma minhas suspeitas de que retornei à Espiritualidade, mas, por favor, meu amigo, não brinque! Sinto-me nas profundezas de tenebroso inferno, sofrendo torturas intraduzíveis!

O socorrista, a sorrir, confirmou:
— Nada disso, meu caro. Aqui é, realmente, um SPA para queima de gorduras espirituais adquiridas nos excessos da romagem humana.
— Por que eu? Não fui má pessoa...
— Pois saiba que está exatamente no lugar compatível com suas necessidades espirituais.
— Não entendo...
— Nossas ações, nossa maneira de ser, nossas iniciativas, determinam o peso específico de nossa alma e a região para onde a morte nos transportará. Sua densidade espiritual o remeteu para estas paragens inóspitas, onde estagiam os que não cultuaram a dignidade da vida, nem respeitaram os desígnios do Senhor.
— Mas, Ferreira, não fui um criminoso, um irresponsável! Você me conhece! Sempre procurei agir de acordo com minha consciência!
— Como ocorre com todos os homens desligados dos valores espirituais, você faz uma apreciação lisonjeira de si mesmo, mas a realidade é diferente. Faltou-lhe encarar com seriedade as responsabilidades da jornada humana.

Sua existência sempre foi orientada pelos interesses pessoais, sob a inspiração do egoísmo, mesmo no círculo familiar, onde somos convidados a mudar a conjugação do verbo de nossas ações, da primeira pessoa do singular — eu, para a primeira do plural — nós.

Natural que agora se veja onde está, um purgatório compatível com o tipo de vida que levou.


* * *

Eis um trecho do livro “Mudança de Rumo” - Richard Simonetti 


Nele, vemos a comovente história de um homem que reavaliou e modificou sua existência a partir de uma excursão por regiões tenebrosas do além, em dramática e inesquecível EQM, a experiência de quase-morte.

Recomendadíssimo!



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