"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

06 agosto 2014

Parábola do Servo


Na linha divisória em que encontram as regiões da Terra e do Céu, nobre Espírito, exibindo alva túnica, solicitava passagem, suspirando pela Divina Ascensão. 

Guardava a pureza exterior de um lírio sublime, falava docemente como se harpa melodiosa lhe habitasse as entranhas e mostrava nos olhos a ansiedade e a timidez da andorinha sequiosa de primavera.

O Anjo do Pórtico ouviu-lhe o requerimento com atenção e, admirando-lhe a brancura da veste, conduziu-o à balança de precisão para observar-lhe o peso vibratório.

Contudo, o valioso instrumento foi contra ele. O clima interno do candidato não lhe correspondia à indumentária brilhante.

À frente das lágrimas tristes que lhe vertiam dos olhos, o funcionário divino exortou-o, otimista:

- Desce à Terra e planta o amor cada dia. A colheita da caridade dar-te-á íntima luz, assegurando-te a elevação.

O Espírito faminto de glória celestial renasceu entre os homens e, sempre cauteloso na própria apresentação, muniu-se de casa enorme, adquirida ao preço de inteligência e trabalho, e começou a fazer o bem por intermédio das mãos que o serviam.

Criados numerosos eram mobilizados por ele, na extensão da bondade aqui e ali...

Espalhava alimentação e agasalho, alívio e remédio, através de largas faixas de solo, explorando com felicidade os negócios materiais que lhe garantiam preciosa receita.

Depois de quase um século, tornou à justiceira aduana.

Trazia a roupa mais alva, mais linda.

Ansiava subir às Esferas Superiores, mas, ajustando à balança, com tristeza verificou que o peso não se alterava.

O Anjo abraçou-o e explicou:

- Pelo teu louvável comportamento, junto à posses humanas, conquistaste a posição de Provedor e, por isso, a tua forma é hoje mais bela; no entanto, para que adquiras o clima necessário à vida no Céu, é indispensável regresses ao mundo, nele plantando as bênçãos do amor.

O Espírito, embora desencantado, voltou ao círculo terreno. Todavia, preocupado com a opinião dos contemporâneos, fêz-se hábil político, estendendo o bem, por todos os canais e recursos ao seu alcance.

Movimentou verbas imensas construindo estradas e escolas, estimulando artes e indústrias, ajudando a milhares de pessoas necessitadas.

Quase um século se esgotou sobre as novas atividades, quando a morte o reconduziu à conhecida fronteira.

Trazia ele uma túnica de beleza admirável, mas, levado a exame, a mesma balança revelou-se desfavorável.

O fiscal amigo endereçou-lhe um olhar de simpatia e disse, bondoso:

- Trouxeste agora o título de Administrador e, em razão disso, a tua fronte aureolou-se de vigorosa imponência... Para que ascendas, porém, é imprescindível retornes à carne para a lavoura do amor.

Não obstante torturado, o amigo do Céu reencarnou no plano físico, e, fundamente interessado em preservar-se, ajuntou milhões de moedas para fazer o bem.

Extensamente rico de cabedais transitórios, assalariou empregados diversos que o representavam junto dos infelizes, distribuindo a mancheias socorro e consolação.

Abençoado de muitos, após quase um século de trabalho voltou à larga barreira.

O aferidor saudou-lhe a presença venerável, porque da roupagem augusta surgiam novas cintilações.

Apesar de tudo, ainda aí, depois de longa perquirição, os resultados lhe foram adversos.

Não conseguira as condições necessárias ao santo cometimento.

Debulhado em lágrimas, ouviu o abnegado companheiro, que informou prestimoso:

- Adquiriste o galardão de Benfeitor, que te assegura a insígnia dos grandes trabalhadores da Terra, mas, para que te eleves ao Céu, é imperioso voltes ao plano carnal e semeies o amor.

Banhado em pranto, o aspirante à Morada Divina ressurgiu no corpo denso, e, despreocupado de qualquer proteção a si mesmo, colocou as próprias mãos no serviço aos semelhantes...

Capaz de possuir, renunciou às vantagens da posse; induzido a guardar consigo as rédeas do poder, preferiu a obediência para ser útil, e, embora muita vez bafejado pela fortuna, dela se desprendeu a benefício dos outros, sem atrelá-la aos anseios do coração...

Exemplificou o bem puro, sossegou aflições e lavou chagas atrozes...

Entrou em contato com os seres mais infelizes da Terra.

Iluminou caminhos obscuros, levantou caídos da estrada, curvou-se sobre o mal, socorrendo-lhe as vítimas, em nome da virtude...

Paralisou os impulsos do crime, apagando as discórdias e dissipando as trevas...

Mas a calúnia cobriu-o de pó e cinza, e a perversidade, investindo contra ele, rasgou-lhe a carne com o estilete da ingratidão.

Depois de muito tempo, ei-lo de volta ao sítio divino.

Não passava, porém, de miserável mendigo, a encharcar-se de lodo e sangue, amargura e desilusão.

- Ai de mim! - soluçou junto ao vigilante da Grande Porta - se de outras vezes, envergando veste nobre não consegui favorável resposta ao meu sonho, que será de mim, agora, coberto de barro vil?

O guarda afagou-o, enternecido, e conduziu-o à sondagem habitual.

Entretanto, oh! surpresa maravilhosa!...

A velha balança, movimentando o fiel com brandura, revelou-lhe a sublime leveza.

Estático, em riso e pranto, o recém-chegado da Esfera Humana sentiu-se tomado nos braços pelo Anjo Amigo, que lhe dizia, feliz:

- Bem-aventurado sejas tu, meu irmão! Conquistaste o título de Servo. Podes agora atravessar o limite, demandando a Vida Superior.

Imundo e cambaleante, o interpelado caminhou para a frente, mas, atingindo o preciso lugar em que começava a claridade celeste, desapareceu a lama que o recobria, desagradável, e caíram-lhe da
epiderme equimosada as pústulas dolorosas...

Como por encanto, surgiu vestido numa túnica de estrelas e, obedecendo ao apelo íntimo, elevou-se à glória do firmamento, coroado de luz.


(pelo Espírito Irmão X - Do livro: Estante da Vida, Médium: Francisco
Cândido Xavier.)




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