"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

02 setembro 2015

De um rio pródigo para o mar...


Querido Pai, estou voltando...

Depois de gastar o que lhe pedi.

Venho de terras longínquas onde corri dissolutamente.

Por acreditar que os rios fossem eternos e os homens sábios, ofereci minhas águas para atender a todas as satisfações possíveis, na ilusão de ser um fator condicionante para o desenvolvimento econômico.

Mas, presenciei com dor e espanto, a derrubada das minhas matas ciliares.

Em troca, recebi a monotonia das forrageiras e o pisoteio do super pastoreio.

Queimaram a fertilidade dos solos que me margearam.

Com tristeza, ladeado de pragas e pestes, tive de contemplar a desfiguração da paisagem pela erosão.

E na ânsia de dormir para esquecer a realidade só me restou a enganosa opção pelos agrotóxicos.

Hoje estou viciado em defensivos e pesticidas.

Ah! Bondoso pai...

Preciso esquecer a minha insatisfação.

Garimparam a minha autoestima.

Também queria lhe contar que absorvi desesperado o choro das cidades sobre as minhas corredeiras...

Densas lágrimas nascidas dos esgotos domésticos e industriais.

Prantos sem porvir. Águas inquietas.

Mas, agora percebi a grande sede e padeço necessidades...

E com minhas últimas quedas reuni uma pequena sobra de energia, atributo dos rios cujas águas despencam das pedras, para lhe suplicar: quero regressar, mesmo não sendo digno de ser chamado seu filho e desfrutar da sua oceânica compaixão...

Tenho saudades dos jardins de corais da nossa casa, a morada do arco-íris.

E então, em seu colo profundo, descansarei as águas feridas no sedoso tapete das suas areias para desfrutar das marés vivificantes.

Pai, repito, estou voltando, em plena mansidão, como convém a todo rio que se aproxima do mar...

Prepare a minha festa. Já posso imaginar a sua voz dizendo:
Trazei depressa a melhor roupa, adornada de estrelas-do-mar. Ponde-lhe o anel de pérolas e a carícia do vento, meu filho pródigo retornou...”

No entanto, se algum dia, a consciência renascer nos locais por onde passei, juro que lhe suplicarei mais uma chance....

E assim, minhas águas evaporadas pelo calor do Sol formarão nuvens e retornarão ao leito original, pelo milagre das chuvas.

E novamente, serei um rio, parte de todos os seres vivos.

Por enquanto, peço-lhe perdão por lavar a roupa suja em casa.



(Lélio Costa e Silva)







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