O olhar é muito mais do que função fisiológica.
É uma linguagem forte. É um universo carregado de sentido. É condensação do mistério do homem. Relata o destino de muita gente. Provoca alterações decisivas na vida.
Mesmo o olhar indiferente suscita reações contraditórias. O olhar é, em grande parte, a morada do homem. O universo do olhar é vasto e misterioso.
Olhar habitação que acolhe o próximo que passava desabrigado.
Olhar rejeição que distancia o gesto de diálogo.
Olhar atração que cativa e envolve o semelhante.
Olhar envenenado que espalha ameaça.
Olhar inocente que semeia simplicidade pela face da terra.
Olhar malicioso que planta a semente da maldade no corpo dos homens.
Olhar indiscreto que revela as intimidades humanas.
Olhar sigiloso que arquiva quadros dolorosos e cenas humilhantes.
Olhar atento que não desperdiça o menor sinal de boa vontade.
Olhar displicente que esquece a presença do outro.
Olhar compreensivo que apaga os rastos dos erros.
Olhar intolerante que espreita o deslize da fraqueza.
Olhar generoso de Cristo que abraça toda Jerusalém.
Olhar mesquinho do fariseu que cata e filtra migalhas.
Olhar pastoral de Cristo que recupera Pedro hesitante.
Olhar encolerizado que fulmina o parceiro.
Olhar apelo que suplica compaixão e ajuda.
Olhar intransigência que cobra a última gota de sofrimento.
Olhar amor que unifica os que se querem.
Olhar ódio que esfaqueia os que se detestam.
Olhar história que vive a evolução das construções, o fluxo das gerações, o movimento dos estilos.
Olhar documentação que registra as clareiras dos horizontes, a floração dos campos, o sangue dos acidentes, o desesperado precipitando-se do edifício, o último aceno de quem está se afogando.
Olhar de ansiedade que fica na estrada acompanhando aquele que parte.
Olhar de esperança que não sai da estrada, aguardando a volta do filho pródigo.
Olhar do recém-nascido que anuncia a chegada de uma existência.
Olhar do agonizante que procura perpetuar sua presença entre os que ficam.
Olhar evangélico que anuncia o reino de Deus.
Olhar céptico que recusa os sinais da esperança.
Olhar consciente que ativa a reflexão humana.
Olhar coisificado que manipula os homens como objetos.
Olhar libertador que retira o irmão do cativeiro moral.
Olhar argentário que industrializa até os sentimentos humanos.
Olhar decidido que busca a realização pessoal.
Olhar evasivo que evita o encontro com a realidade.
Olhar pacifico que reconcilia as vidas separadas.
Olhar reticente que fragmenta a confiança.
Olhar de perdão que põe de pé a quem estava caído.
Olhar de rancor que jura vingança impiedosa.
Olhar feroz do perseguidor, do tirano, do opressor.
Olhar encolhido, amedrontado do perseguido.
Mas, que grandeza nesse olhar acuado! A última resistência do homem esmagado se refugia no olhar oprimido.
Diz Levinas que o arbitrário enxerga a sua vergonha nos olhos de sua vítima. Por isso, o agressor procura destruir, eliminar o oprimido. Pois não suporta o olhar que o acusa, que o julga, que o condena.
Mas, o olhar que a arbitrariedade apaga na vida do oprimido, reacende-se na consciência do tirano como verme roedor.
O olhar é também linguagem de Deus.
(Fonte: livro "Estradeiro" de Juvenal Arduini)
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