O amor não tem portas que possamos abrir e fechar, nem passagens secretas para um sótão onde possamos fazer férias dele.
Toma conta de tudo em nós, envolve-nos como um lençol de tédio, sedoso, infindo.
Ninguém fala deste tédio sublime, tão contrário à ação e à eficácia, imóvel inimigo do progresso do mundo. Só no trono do sonho, iluminado e funesto, o amor interessa.
Prolongada, a vida torna-se demasiado curta e o amor ganha o ritmo da chuva que bate leve, levemente.
Nos habituamos a tratar os amores como eletrodomésticos: quando se escangalham, vamos ao supermercado comprar um novo, igualzinho ao que o outro era. Consertar? Não compensa: o arranjo sai caro, além de que nunca se sabe muito bem onde procurar a peça que falta.
Substituímos a eternidade pela repetição, e o mundo começou a tornar-se monótono como uma lição de solfejo.
Tememos a maior das vertigens, que é a da duração.
Mas no fim de cada sucesso há um cemitério como o de Julieta e Romeu, apenas com a diferença da aura, que é afinal tudo. As pessoas morrem cada vez mais velhas e cansadas de correr, e os seus cadáveres tensos soçobram de ridículo sobre a terra das suas efémeras conquistas.
(Inês Pedrosa, in "Nas Tuas Mãos")
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