24 abril 2012

A Justiça


Quando criança eu tinha a mania de me sentir sempre injustiçado. 

Por um ou outro motivo, não me tinham feito justiça, sem perceber que, para mim, a "injustiça" era sempre qualquer restrição feita aos meus desejos, fantasias e vontades.

E invariavelmente arrebentava em lágrimas de protesto. Um dia papai me chamou e disse:

- Meu filho, vamos combinar uma coisa. Você sabe que o papai não gosta de ver você triste, não é? 
Então nós vamos fazer o seguinte: Cada vez que você chorar, escreva num papel a causa. Coloque o papel no vaso azul, ali, sobre a escrivaninha. 
Deixe passar alguns dias e leia-o. 
Se achar que o assunto ainda o está aborrecendo, venha a mim, que corrigirei a injustiça que tiverem feito contra você. 
Combinado?

Estava combinado. 

Nos primeiros dias eu enchi o vazo azul de anotações. Passadas no preto e branco, minhas queixas me pareciam perfeitamente justificadas.

Passaram-se os dias e meu pai voltou a falar comigo.

- Você já pode começar a reexaminar os seus papéis. Depois venha falar comigo.

Comecei. 

Mas, estranhamente, constatei que minhas queixas eram banais e que, na realidade, não havia nada que pudesse motivar aborrecimento.

Abreviei o espaço dos dias e, depois, passei a examinar os papéis horas depois dos acontecimentos.

Verifiquei que não tinha nenhuma injustiça a exigir a reclamação de papai. E parei de chorar várias vezes como estava acostumado a fazer.

Hoje compreendo que tudo foi uma brincadeira de papai. 

Todavia, com grande habilidade ele me levou a refletir antes de reagir. 

E desenvolveu em mim a compreensão a respeito do que é justiça e injustiça em face do nosso egocentrismo, exigência de privilégios e pretensões descabidas.

Com isso o meu espírito de tolerância ganhou uma amplitude que me tem beneficiado ao longo de toda a vida ...

A redenção da Humanidade terá começo no caráter da criança ou o sofrimento dos Homens não terá fim.


(Extraído do livro “E para o resto da vida ...”, de Wallace Leal V. Rodrigues)

* * *

 

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