21 abril 2012

No elevador


Feliciano e Osório eram vizinhos que se viam muito pouco. 

E por motivos desconhecidos, quando se cumprimentavam havia sempre um disfarçado ar de antipatia.

Numa certa manhã, suas crianças que jogavam à bola nas proximidades, desentenderam-se e correram para casa com choros e reclamações.

Imediatamente os pais saíram e, em plena via pública, entraram em hostilizante discussão. Não fosse a intervenção de terceiros, Feliciano e Osório teriam causado escândalo ainda maior.

A contenda teve fim, enquanto um dizia:
- Desaparece de minha vista e nunca mais voltes a falar comigo. ...

E o outro redarguiu:
- Infeliz sou eu em ser teu vizinho!

Tudo voltou à calma quando ambos se recolheram.

À tarde, porém, vamos encontrar o nosso amigo Feliciano fazendo compras numa grande avenida.

Momentos depois, sai de um estabelecimento, conduzindo nas mãos pequeno pacote.

Apressado e meio aturdido, penetra a portaria de um edifí­cio, e quase instintivamente entra num elevador.

Imediata­mente aciona o botão a fim de subir ao 102º andar. Suspira fun­do, enquanto o aparelho descola; mas, ao voltar os olhos para o lado, leva um susto... Tinha como único companheiro naquela cápsula, um homem que não era outro senão Osório, o seu vi­zinho.

É inútil tentar descrever o estado de espírito que dominou os dois em tão aflitiva circunstância.

Ambos pensaram logo em escapar.

Osório precipitadamente aciona uma tecla, tentando fugir.

Queriam afastar-se abruptamente, mas, nesse momento, por incrível que pareça, a luz se apaga e o elevador pára, imó­vel. Faltou energia elétrica.

A situação se agravou. Os dois pareciam pilhas a ponto de explodir.

Mas, a prisão daqueles instantes fê-los mansos, e come­çaram a trocar palavras em grotescos monossílabos.

O tempo foi passando...

Forçados pelo imprevisto, aí mesmo apaziguaram-se, re­consideraram o incidente da manhã e passaram a conversar sobre futebol. Ambos torciam pela mesma equipe.

Meia hora depois o aparelho volta a funcionar.

E na saída os dois, aliviados, despedem-se com um co­movente abraço, e tornam-se amigos. . .

* * *

A família, ante a Lei das vidas sucessivas, é como aquele elevador: encarrega-se de reunir almas inimigas, sob o mesmo teto, até que haja a necessária RECONCILIAÇÃO.

(in Páginas do Quotidiano, de Hilário Silva)




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