Feliciano e Osório eram vizinhos que se viam muito pouco.
E por motivos desconhecidos, quando se cumprimentavam havia sempre um disfarçado ar de antipatia.
Numa certa manhã, suas crianças que jogavam à bola nas proximidades, desentenderam-se e correram para casa com choros e reclamações.
Imediatamente os pais saíram e, em plena via pública, entraram em hostilizante discussão. Não fosse a intervenção de terceiros, Feliciano e Osório teriam causado escândalo ainda maior.
A contenda teve fim, enquanto um dizia:
- Desaparece de minha vista e nunca mais voltes a falar comigo. ...
E o outro redarguiu:
- Infeliz sou eu em ser teu vizinho!
Tudo voltou à calma quando ambos se recolheram.
À tarde, porém, vamos encontrar o nosso amigo Feliciano fazendo compras numa grande avenida.
Momentos depois, sai de um estabelecimento, conduzindo nas mãos pequeno pacote.
Apressado e meio aturdido, penetra a portaria de um edifício, e quase instintivamente entra num elevador.
Imediatamente aciona o botão a fim de subir ao 102º andar. Suspira fundo, enquanto o aparelho descola; mas, ao voltar os olhos para o lado, leva um susto... Tinha como único companheiro naquela cápsula, um homem que não era outro senão Osório, o seu vizinho.
É inútil tentar descrever o estado de espírito que dominou os dois em tão aflitiva circunstância.
Ambos pensaram logo em escapar.
Osório precipitadamente aciona uma tecla, tentando fugir.
Queriam afastar-se abruptamente, mas, nesse momento, por incrível que pareça, a luz se apaga e o elevador pára, imóvel. Faltou energia elétrica.
A situação se agravou. Os dois pareciam pilhas a ponto de explodir.
Mas, a prisão daqueles instantes fê-los mansos, e começaram a trocar palavras em grotescos monossílabos.
O tempo foi passando...
Forçados pelo imprevisto, aí mesmo apaziguaram-se, reconsideraram o incidente da manhã e passaram a conversar sobre futebol. Ambos torciam pela mesma equipe.
Meia hora depois o aparelho volta a funcionar.
E na saída os dois, aliviados, despedem-se com um comovente abraço, e tornam-se amigos. . .
* * *
A família, ante a Lei das vidas sucessivas, é como aquele elevador: encarrega-se de reunir almas inimigas, sob o mesmo teto, até que haja a necessária RECONCILIAÇÃO.
(in Páginas do Quotidiano, de Hilário Silva)
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