A cena desenrolou-se há
quase cinco anos.
O apelo vinha de longe.
O cansaço da velha amiga se lhe desenhava no rosto. E o rosto dela
se nos refletia no espelho da mente.
Era D. Maria Eugênia
da Cunha, que eu conhecera menina e moça em meus últimos tempos no
Rio.
Lembrava-nos a afeição,
rogava socorro espiritual. A jovem de outra época era agora uma
viúva, pobre, residindo por favor com o filho único, recém-casado.
O chamamento lhe fluía
do ser, em nossa direção: "Meu amigo, em nome de Jesus, se é
possível, auxilie-me... Não agüento mais!"
Utilizando os recursos
do desencarnado, quando pode ganhar distância e tempo, fomos vê-la
e encontramo-la, arrasada de angústia, ante as investidas da nora.
Maria Cristina, a boneca que lhe desposara Júlio, o filho que ela
preparara com tanto mimo para a vida, não considerava nem mesmo a
tempestade, lá fora, e ordena:
- E a senhora saia
daqui hoje...
- Mas hoje? Com esta
noite? - arrazoava a sogra, em pranto.
- Estou farta, se eu
fosse velha moraria no asilo!
- Preciso ver meu
filho..
- Isso é que não.
Quem manda nesta casa sou eu...
- Sou mãe.
- Seja o que for, saia
daqui. A senhora tem sua irmã no Leblon, tem sobrinhos em
Madureira... Pode escolher.
- Maria Cristina!...
- Não dramatize
- Afinal, você me
expulsa deste modo?! Que fiz eu?
- Não vou com a sua
cara.
- Minha filha, pelo
amor de Deus, não me atire assim pela porta fora...
- Arranque-se daqui ou
não respondo pelo que possa acontecer.
- Júlio!...Quero ver
Júlio!...
- A senhora não mais
envenenará meu marido com as suas conversas...
- Ah! Meu Deus!...
- Não se escore em
Deus para mudar de assunto. Saia agora!
- Preciso arranjar
minhas coisas, minha roupa...
- Nada disso... Amanhã,
a senhora telefone, que eu mando seus cacarecos...
- Não posso sair
assim...
- Vamos ver quem pode
mais... Colocando algum dinheiro nas mãos da sogra, sacudiu-a com
violência e, em seguida, puxou-a até a porta e gritou:
- Vá de táxi, vá de
ônibus, vá como quiser, mas desapareça!
Inútil qualquer
tentame de socorro. A moça, transtornada, não assimilava qualquer
apelo à misericórdia.
Num momento D. Maria
Eugênia se viu empurrada para a rua.
A pobre cambaleou,
arrastou-se, e, mais alguns minutos de chuva e lágrimas nos olhos, o
desastre...
Projetada ao longe por
pesado veículo veio a fratura mortal.
No dia seguinte,
identificada pelo filho numa casa de pronto-socorro, largou-se do
corpo ao anoitecer.
Abateu-se o infortúnio
sobre o casal.
Júlio e Maria Cristina
passaram à condição de doentes da alma. Por mais que a mulher
engenhasse a escapatória, asseverando que a sogra teimara em sair em
visita à irmã, debaixo do aguaceiro, o esposo desconfiava.
Desconfiava e sofria.
D. Maria Eugênia,
porém, na Espiritualidade, compadeceu-se dos filhos e, conquanto
enriquecida de proteção e carinho, não se sentia tranqüila ao
sabê-los em desentendimento e dificuldade.
Repetia preces,
mobilizou relações e, depois de quatro anos, venceu o problema,
tornando, de novo, à Terra...
Hoje, fui ver a velha
amiga renascida no Rio. Renasceu de Júlio e Maria Cristina,
lembrando uma flor de luz no mesmo tronco familiar. Os pais felizes,
agindo intuitivamente, deram-lhe o mesmo nome: Maria Eugênia.
O jovem progenitor
beijava-a enternecido e a ex-nora, transfigurada em mãezinha
abnegada, guardava-a sobre o próprio seio, com a ternura de quem
carrega um tesouro.
Meditava nos prodígios
da reencarnação, à frente do trio, quando o irmão Felisberto, que
me acompanhava, falou, entre a alegria e a emoção:
- Veja, meu amigo! Não
adianta brigar, condenar, ofender, perseguir... A lei de Deus é o
amor e o amor vencerá sempre.
(Irmão X)
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