12 junho 2012

Ternura Antiga



Naquela tarde de outono Sofia resolveu escrever uma carta de amor para ninguém.

Escolheu um envelope de cor suave.

Fechou-o com um decalque, uma pequena borboleta azul.

Saiu à rua segurando-a nas pontas dos dedos e, num descuido proposital, soltou-a a revelia do vento que começava a soprar.

Quando a ouviu bater no chão sentiu sua alma angustiada, mas também sentiu esperanças.

Correu para casa, postou-se à janela para observar se alguém a recolhia.

Sofia viu sua carta de amor voar de lá para cá, sujar-se, molhar-se.

Aquela dor lancinante no peito persistia enquanto passantes desatentos a pisavam, rasgando-a, tornando-a pedaços de papel a rolar pela rua.

Sua carta de amor reduzida, cruel verdade, a palavras dilaceradas.

Mas não desistiu.

Na tarde seguinte, ainda outono, Sofia reescreveu sua carta de amor para ninguém.

Na mesma cor suave, fechou o envelope com um decalque, desta vez um delicado e pequeno girassol.

E novamente soltou-a na rua e voltou à janela mais uma vez.

A noite veio, fria, enevoada.

Sua carta, silenciosa.

O dia chegou aos raios de um sol tímido, branco.

A carta, em aflita solidão, ali permanecia.

Sofia, na janela, a confirmar sua desesperança.

Foi quando ele surgiu.

Vinha cabisbaixo, triste, falando sozinho ou cantando, não sei.

Parou de repente e, com um brilho diferente no olhar, ficou por um tempo estagnado como se houvesse encontrado um tesouro.

Com o envelope a brincar entre os dedos, meio surpreso, meio intrigado, sentou-se no meio fio da calçada, abriu-o e leu, primeiro de um fôlego só e depois lentamente, aquela carta de amor.

E chorou.

Chorou por um tempo sem fim, sem que algum passante se importasse com seus soluços e seus gestos tardios.

Ainda com os olhos marejados, tirou um lápis de cor de seu bolso esquerdo e escreveu alguma coisa no envelope, junto ao girassol.

E se foi.

Com a carta de amor em seu bolso, junto ao coração e a outros lápis que costumava carregar sem saber ao certo porquê.

Sofia desceu em desabalada carreira pelas escadas, pegou o envelope do chão, leu-o e, com o coração a sair-lhe pela boca, procurou-o com os olhos em meio à multidão.

Mas ele já havia sumido, com a mesma maestria com que havia aparecido.

O certo é que depois daquela tarde Sofia nunca mais conseguiu permitir a entrada de outro em seu coração.

Tentou, mas aquele momento foi profundo e mágico, foi mais forte que sua simples vontade de querer outro alguém.

Muitos outonos passaram.

Outro inverno chegou.

E o envelope continua, com aquela caligrafia firme e terna, guardado em sua caixa de lembranças, adormecido em seu coração.

Para sempre.


(Isabel Cintra Nepomuceno)





* * * 


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