21 outubro 2012

O sábio e o pássaro



Conta-se que certa feita um jovem maldoso e inconseqüente resolveu pregar uma peça em idoso e experiente mestre, famoso por sua sabedoria.

Quero ver se esse velho é realmente sábio, como dizem. Vou esconder um passarinho em minhas mãos. Depois, em presença de seus discípulos, vou perguntar-lhe se está vivo ou morto. Se responder que está vivo, eu o esmagarei e o apresentarei morto. Se afirmar que está morto, abrirei a mão e o pássaro voará.

Realmente, uma armadilha infalível.

Aos olhos de quem presenciasse o encontro, qualquer que fosse sua resposta, o sábio ficaria desmoralizado.

E lá se foi o jovem mal-intencionado, com sua artimanha perfeita.

Diante do ancião acompanhado dos aprendizes, fez a pergunta fatal:

Mestre, este passarinho que tenho preso em minhas mãos, está vivo ou morto?

O sábio olhou bem fundo em seus olhos, como se perscrutasse os recônditos de sua alma, e respondeu:

Meu filho, o destino desse pássaro está em suas mãos.



Esta história pode ser um sugestivo exemplo da perversidade que não vacila em esmagar inocentes para conseguir seus objetivos.

Será, também, uma demonstração das excelências da sabedoria, a sobrepor-se aos ardis da desonestidade.

É, sobretudo, uma ilustração perfeita sobre os mistérios do destino.

Consideram muitos que tudo acontece pela vontade de Deus, mesmo a doença, a miséria, a ignorância, o infortúnio...

Trata-se da mais flagrante injustiça que cometemos contra o Criador, o pai de infinito amor e bondade revelado por Jesus.

A Vida é dádiva divina, mas a qualidade de vida será sempre fruto das ações humanas.

Segundo os textos bíblicos, fomos criados à imagem e semelhança de Deus.

Filhos do Senhor Supremo, o que caracteriza nossa condição é o poder criador, que exercitamos usando prodigioso instrumento — a vontade, a moldar nosso destino e interferir no destino alheio.

Há os que não vacilam em esmagar a Vida para alcançar seus objetivos, envolvendo-se com a ambição e a usura, a agressividade e a violência, a mentira e a desonestidade, o vício e o crime...

E há os que libertam a Vida, estimulando-a a ganhar as alturas, mãos abertas para a solidariedade.

Entre essas duas minorias, que se situam nos extremos, temos a maioria que não é má, mas não assume compromisso com o Bem.

Por isso, o mal no Mundo está muito mais relacionado com a omissão silenciosa dos que se acreditam bons, mas não desenvolvem nenhum esforço para evitar que os maus façam barulho.

Isso está bem claro na questão 931, de O Livro dos Espíritos:


Por que, no Mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?


Observe, leitor amigo, o alcance da resposta, uma das mais contundentes da Codificação:


Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quanto estes o quiserem, preponderarão.


Poderíamos acrescentar que a omissão dos bons favorece ainda que as pessoas se envolvam com o mal, porque ninguém as ajuda, nem ampara, nem orienta, nem as atende em suas carências e necessidades.




Algum progresso tem sido alcançado.

Fala-se muito, na atualidade, sobre cidadania.

Ser cidadão é estarmos conscientes de nossos direitos.

É lutarmos por eles, a partir dos elementares direitos à saúde, à educação, à habitação e, sobretudo, o inalienável direito à vida.

É um passo importante.

Podemos melhorar as condições de vida de uma sociedade, trabalhando pelos direitos humanos.

Mas há outro passo, bem mais importante:

Assumir deveres.

Destaque-se o dever básico:

Exercitar a solidariedade.

Jesus deixa isso bem claro ao recomendar que nos amemos uns aos outros e ao proclamar que devemos fazer pelo próximo o bem que desejaríamos receber dele, se sofrêssemos suas carências.

A mão que liberta o homem da doença, da miséria, da ignorância, do infortúnio, para que a Vida ganhe as alturas, deve ser a filosofia do trabalho de todas as pessoas que desejam contribuir em favor de um mundo melhor.

A Doutrina Espírita deixa bem claro que não podemos nos omitir diante das misérias humanas.

É preciso fazer algo pelo semelhante.

O destino de nossa sociedade é o somatório de nossas ações.

Não se faz uma sociedade boa se, a par do exercício, de cidadania, não houver o cultivo da solidariedade.

E aqueles que participam, que se dedicam a esse mister, logo fazem descobertas maravilhosas.

No empenho de ajudar o próximo, libertam-se das angústias que afligem o homem comum, preso ao egoísmo.

Ajudando alguém a erguer-se de suas misérias, pairam acima das inquietações humanas.

Contribuindo para clarear sendas alheias, iluminam o próprio caminho.

Estimulando ao bem seus irmãos, com a força do exemplo, percebem, deslumbrados, que encontraram sua gloriosa destinação.


(Extraído do livro “O Destino em suas mãos”, de Richard Simonetti).


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