Por volta de 1910 não
havia rádio nem televisão, e o cinema chegava ao interior do Brasil
uma vez por semana aos domingos.
As notícias do mundo
vinham pelo jornal, três dias depois de publicadas no Rio de
Janeiro.
Se chovia a potes, a
mala do correio aparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. Não
dava para ler o papel transformado em mingau.
Papai era assinante da
Gazeta de Notícias, e antes de aprender a ler eu me sentia fascinado
pelas gravuras coloridas do suplemento de Domingo. Tentava decifrar o
mistério das letras em redor das figuras, e mamãe me ajudava nisso.
Quando fui para a
escola pública, já tinha a noção vaga de um universo de palavras
que era preciso conquistar.
Durante o curso, minhas
professoras costumavam passar exercícios de redação. Cada um de
nós tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim.
Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado
fim o conhecimento que ia adquirindo do poder de expressão contido
nos sinais reunidos em palavras.
Daí por diante as
experiências foram se acumulando, sem que eu percebesse que estava
descobrindo a leitura. Alguns elogios da professora me animavam a
continuar.
Ninguém falava em
conto ou poesia, mas a semente dessas coisas estavam germinando.
Meu irmão, estudante
na capital, mandava-me revistas e livros, e me habituei a viver entre
eles.
Depois, já rapaz, tive
sorte de conhecer outros rapazes que também gostavam de ler e
escrever.
Então começou uma
fase muito boa de troca de experiências e impressões. Na mesa do
café-sentado (pois tomava-se café sentado nos bares, e podia-se
conversar horas e horas sem incomodar nem ser incomodado) eu tirava
do bolso o que escrevera durante o dia, e meus colegas criticavam.
Eles também sacavam
seus escritos, e eu tomava parte nos comentários.
Tudo com naturalidade e
franqueza.
Aprendi muito com os
amigos, e tenho pena dos jovens de hoje que não desfrutam desse tipo
de amizade crítica.
(Carlos Drummond de
Andrade, in “O Pequeno Livro das Grandes Emoções” -
Unesco, VA)
* * *
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