06 janeiro 2014

Depoimento


Quantos assassinei? Quantas vidas interrompi?

Pelas minhas mãos, nenhuma. Sob minhas ordens, talvez alguns milhões.

Falta-me ar. Mal posso respirar desde que aqui cheguei.

Sim, sim, sou um monstro. Ouço isto minuto após minuto, dia após dia. Sou culpado, sinto-me culpado.

Em vida acreditei piamente estar fazendo um favor à humanidade, melhorando a raça humana no planeta, livrando-a de seres inferiores.

Deixei-me levar por idéias, que hoje reconheço insanas. Idéias de um lunático a quem não posso culpar porque afinal eu as aceitei e as segui.

No início, promoções, uma bela carreira, uma vida de luxo e glória. 

Com a queda do Reich, a fuga, os anos de exílio longe da pátria, em meio de gente tão inferior e desprezível que eu mal podia aceitá-los como seres humanos.

Localizado e capturado por aqueles que eu tanto odiava, fui julgado e condenado à forca.

Desencarnei com a corda apertando meu pescoço, sob os olhares de centenas de judeus, pensando que iria para a Glória.

Ao abrir os olhos do espírito, vi que as centenas de encarnados estavam acompanhados de milhares de desencarnados, de horrendo aspecto.

Com o mesmo ódio em que os tratei em vida fui tratado.

Arrastado aos umbrais sofri todo tipo de tortura e humilhação.

Desde meu enforcamento em 1962, fui prisioneiro do ódio e do rancor daqueles que mandei executar, destruindo seus lares, suas famílias e suas vidas.

Nunca tive Deus no coração. Isto nunca fez parte da minha cultura.

Mesmo assim, o sofrimento atroz me fez, mesmo que num lampejo, renegar meu passado e pensar Nele.

Resgataram-me. Tiraram-me da catacumba fria e sombria onde sobrevivia aos maus tratos de meus algozes.

Fui levado a um posto de socorro, onde tratam-me com dignidade e bondade.

Tempos depois vim a compreender que o posto de socorro localiza-se sobre o espaço de Israel, e que praticamente todos que ali humildemente servem foram judeus quando encarnados.

É desconcertante ser tão bem tratado pelo povo a quem tanto ódio nutri durante minha última existência.

Fazem apenas alguns meses que fui socorrido, e começo a entender a extensão de meus erros.

Fui informado que talvez não me seja permitido reencarnar na Terra e que terei que buscar o aprendizado redentor num mundo mais denso e atrasado. Tudo, porém, dependerá de meus progressos.

Tenho ainda uma aparência horrível, mãos deformadas, olhos esbugalhados resultantes do enforcamento, dores no pescoço, falta de ar.

Pesadelos ainda me perseguem.

Peço diariamente perdão a Deus e aos que feri.

Infelizmente e por meu merecimento, muitos ainda não me perdoaram. Mas eles haverão de fazê-lo, assim como Deus já o fez.

Esperarei este dia com humildade e paciência.


Adolf Eichmann*


(psicografado por Cleber P. Campos)


* Adolf Otto Eichmann foi um político da Alemanha Nazista e tenente-coronel da SS. Foi responsabilizado pela logística de extermínio de milhões de pessoas no final da Segunda Guerra Mundial.




* * *



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