13 fevereiro 2014

O Engano da Bondade


Endureçamos a bondade, amigos.

Ela também é bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os bichos: também é bondosa a chama nas selvas incendiadas para que os arados bondosos fendam a terra.

Endureçamos a nossa bondade, amigos.

Já não há pusilânime de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de intenção subterrânea e gesto condescendente que não leve a bondade, por vós outorgada, como uma porta fechada a toda a penetração do nosso exame.

Reparai que necessitamos que se chamem bons aos de coração reto, e aos não flexíveis e submissos.

Reparai que a palavra se vai tornando acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade das vossas palavras foi sempre - ou quase sempre - mentirosa.

Alguma vez temos de deixar de mentir, porque, no fim de contas, só de nós dependemos, e mortificamo-nos constantemente a sós com a nossa falsidade, vivendo assim encerrados em nós próprios entre as paredes da nossa astuta estupidez.

Os bons serão os que mais depressa se libertarem desta mentira pavorosa e souberem dizer a sua bondade endurecida contra todo aquele que a merecer.

Bondade que se move, não com alguém, mas contra alguém.

Bondade que não agride nem lambe, mas que desentranha e luta porque é a própria arma da vida.

E, assim, só se chamarão bons os de coração reto, os não flexíveis, os insubmissos, os melhores.

Reivindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, serão o braço da vida e os ricos de espírito.

E deles, só deles, será o reino da terra.


(Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer")



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