Depois que terminou de
varrer a casa, molhou o pano no balde. Colocou no rodo e começou a
limpar o salão.
Era 17:35 quando começou. Era 18:05 quando
terminou.
As cadeiras arrumadas. A tribuna colocada no local adequado
para a preleção. O chão limpo, brilhando pelo sabão e detergente,
com aromas de incenso da floresta.
A porta, trancada com suas voltas,
prometeu o resguardo necessário para a meditação dos convidados ao
chegar.
A passos lentos, com a mente muito longe, abriu a dispensa.
Guardou a vassoura. O balde. O sabão e o pano úmido.
Olhou para o relógio,
ainda era cedo para começar a reunião. O silêncio do recinto e a
magia do por do sol permitiram um tempo de divagação.
Ele abriu a
janela. Encostou-se com as mãos sob o queixo. Conferiu se estava
realmente sozinho para não ser incomodado. Olhou para longe, para o
alto, para outro mundo.
Seus olhos não fitaram o fundo do quintal.
Não se deteve no muro alto da casa espirita. Não se conformou
com o outro lado da rua. Ele vislumbrou um mundo distante, no espaço
e no tempo.
Por breves instantes, o
jovem trabalhador do centro espírita sentiu-se transportado para sua
pátria natal.
A visão do Cinturão
de Órion, das Plêiades, ao norte do céu Austral, lhe comoveram
profundamente.
Ele sentiu uma
nostalgia. Uma sensação de perda, de exílio milenar.
Ocupado com seus
afazeres diários, sentia-se em casa nessa cidade, um filho desse
mundo.
Porém, quando as
obrigações cessaram, sua alma trouxe de volta uma saudade.
Uma
vontade de retornar a algum lugar esquecido em primas eras.
Lembrou
de uma vegetação estranha, mas perfeita em simetria e beleza.
Quantas vezes orou para
o criador, debaixo de velhas árvores, troncos milenares que
conservavam os segredos do seu povo?
Quantas vezes, reunido
em família, beberam um licor branco, translúcido, sem álcool,
cheio de aromas de vitalidade?
Quantas vezes, não
desfrutou da tecnologia sustentável de um lar onde a energia vem do
sol e o alimento brota das paredes?
Quantas vezes, abordou
temas complexos com normalidade, meio a pessoas que não encontram
mais na matéria, seu substrato primário.
Quem sabe, essas
memórias remotas não tenha levado civilizações antigas a erguer
monumentos colossais, observar a noite estrelada, escutar o assobio
do vento que trazia o suave fresco de um passeio, ao entardecer, por
um mundo sem poluição?!
Por breves instantes,
ele se sentiu maior do que um obreiro espírita.
Por alguns instantes,
ele se sentiu maior do que seu corpo.
Por alguns instantes,
ele se sentiu filho das Estrelas.
Mas isso não lhe
trouxe consolo. Muito pelo contrário. Essas recordações
despertaram uma dor profunda, galáctica e inconsciente.
A visão do “paraíso”
é capaz de perturbar qualquer ser telúrico. Aos poucos, ele voltou
a si.
As imagens
desvaneceram-se como névoa diante do sol. Fechou a janela. Enxugou
as mãos suadas no bolso da bermuda jeans rasgada. Ainda faltava
espanar a poeira da biblioteca. Voltou para seu labor.
Quando agarrou o
espanador, sua realidade reorganizou-se em torno dele.
Sua volta ao cotidiano
não deixou de ter resquícios de tristeza. Mas o trabalho é o meio
de mantê-lo no chão, aterrissado, consciente de sua nova vida.
Seu exílio é uma
necessidade.
Sua errância é um
itinerário de crescimento.
O filho ingrato perdeu
a pátria que nunca amou. Dificilmente voltará a vê-la enquanto seu
coração continuar soberbo.
Pelo menos, durante
alguns séculos, seu amor, seu conhecimento, seu trabalho será
utilizado aqui, nesse orbe azul, de tanta dor e lamento.
A sua terra natal,
continuará em seus sonhos e anseios, inspirando seu esforço, sua
evolução.
(João Márcio)
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário