15 novembro 2014

A Saudade do Capelino - Saudades de Capela


 

Depois que terminou de varrer a casa, molhou o pano no balde. Colocou no rodo e começou a limpar o salão. 

Era 17:35 quando começou. Era 18:05 quando terminou. 

As cadeiras arrumadas. A tribuna colocada no local adequado para a preleção. O chão limpo, brilhando pelo sabão e detergente, com aromas de incenso da floresta. 

A porta, trancada com suas voltas, prometeu o resguardo necessário para a meditação dos convidados ao chegar. 

A passos lentos, com a mente muito longe, abriu a dispensa. Guardou a vassoura. O balde. O sabão e o pano úmido.

Olhou para o relógio, ainda era cedo para começar a reunião. O silêncio do recinto e a magia do por do sol permitiram um tempo de divagação. 

Ele abriu a janela. Encostou-se com as mãos sob o queixo. Conferiu se estava realmente sozinho para não ser incomodado. Olhou para longe, para o alto, para outro mundo. 

Seus olhos não fitaram o fundo do quintal. Não se deteve no muro alto da casa espirita. Não se conformou com o outro lado da rua. Ele vislumbrou um mundo distante, no espaço e no tempo.

Por breves instantes, o jovem trabalhador do centro espírita sentiu-se transportado para sua pátria natal.

A visão do Cinturão de Órion, das Plêiades, ao norte do céu Austral, lhe comoveram profundamente.

Ele sentiu uma nostalgia. Uma sensação de perda, de exílio milenar.

Ocupado com seus afazeres diários, sentia-se em casa nessa cidade, um filho desse mundo.

Porém, quando as obrigações cessaram, sua alma trouxe de volta uma saudade. 

Uma vontade de retornar a algum lugar esquecido em primas eras. 

Lembrou de uma vegetação estranha, mas perfeita em simetria e beleza.

Quantas vezes orou para o criador, debaixo de velhas árvores, troncos milenares que conservavam os segredos do seu povo?

Quantas vezes, reunido em família, beberam um licor branco, translúcido, sem álcool, cheio de aromas de vitalidade?

Quantas vezes, não desfrutou da tecnologia sustentável de um lar onde a energia vem do sol e o alimento brota das paredes?

Quantas vezes, abordou temas complexos com normalidade, meio a pessoas que não encontram mais na matéria, seu substrato primário.

Quem sabe, essas memórias remotas não tenha levado civilizações antigas a erguer monumentos colossais, observar a noite estrelada, escutar o assobio do vento que trazia o suave fresco de um passeio, ao entardecer, por um mundo sem poluição?!

Por breves instantes, ele se sentiu maior do que um obreiro espírita.

Por alguns instantes, ele se sentiu maior do que seu corpo.

Por alguns instantes, ele se sentiu filho das Estrelas.

Mas isso não lhe trouxe consolo. Muito pelo contrário. Essas recordações despertaram uma dor profunda, galáctica e inconsciente.

A visão do “paraíso” é capaz de perturbar qualquer ser telúrico. Aos poucos, ele voltou a si.

As imagens desvaneceram-se como névoa diante do sol. Fechou a janela. Enxugou as mãos suadas no bolso da bermuda jeans rasgada. Ainda faltava espanar a poeira da biblioteca. Voltou para seu labor.

Quando agarrou o espanador, sua realidade reorganizou-se em torno dele.

Sua volta ao cotidiano não deixou de ter resquícios de tristeza. Mas o trabalho é o meio de mantê-lo no chão, aterrissado, consciente de sua nova vida.

Seu exílio é uma necessidade.

Sua errância é um itinerário de crescimento.

O filho ingrato perdeu a pátria que nunca amou. Dificilmente voltará a vê-la enquanto seu coração continuar soberbo.

Pelo menos, durante alguns séculos, seu amor, seu conhecimento, seu trabalho será utilizado aqui, nesse orbe azul, de tanta dor e lamento.

A sua terra natal, continuará em seus sonhos e anseios, inspirando seu esforço, sua evolução.


(João Márcio)






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