Era um dia comum de trabalho.
Muito trabalho.
Não há trégua para quem trabalha em saúde pública...
Falta estrutura e pessoal técnico.
Sobrecarga de pacientes, a maioria impaciente com razão, e é engraçado que geralmente
os mais graves são os mais serenos e os que mais reclamam são os que menos necessitam...
Todos são iguais perante Deus e os Homens, e o critério é
dar prioridade aos que apresentam maior risco.
Eis que surge o pequeno F.
Cinco anos.
Com um caminhãozinho de plástico na mão, coisa rara entre os pequeninos
hoje em dia. (Outro dia atendi um menininho de três anos com um inseparável tablet
na mão e sua mãe dedicada ao celular dela, o tempo todo!)
Logo a mãe desabafa, preocupada com a alimentação dele... ”Tá
magrinho, deve ter anemia!” “precisa de exames...”
E eis que logo de início, este pequenino falante e inteligente, um pontinho de luz, que nasceu num
bairro pobre e violento onde eu trabalho, dispara qual metralhadora curiosa uma
seqüência de perguntas e pensamentos que me encantaram com sua pureza, e demonstraram, entre
outras coisas, sua preocupação com a violência, com a preservação da natureza e
meio ambiente.
“Doutora, não pode sujar o chão, mas tenho um amigo que faz
isso...”,
“ Um primo meu machucou o irmãozinho dele...que é bem pequenininho...isso não pode não é?...”,
“Você gosta
de pic-nic? É bom ficar onde tem muitas flores...” ,
“Meu pai trabalha muito e
não tem tempo pra conversar comigo...”,
“Gosto de comer jiló...”,
"Eu gosto muito das árvores, mas tem gente que derruba..."
E assim foram alguns dos inúmeros pensamentos daquele pequenino
paciente.
A mãe me pedindo desculpas: ”Preciso achar o botão pra
desligar esse menino!”
E eu encantada com aquela alma iluminada que estava ali na
minha frente, que reencarnou com a missão de alavancar aquela família, carente
material e espiritualmente, para a evolução.
* * *
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