... E o Deus dos deuses separou de si mesmo uma alma e a
dotou de beleza.
E deu-lhe a suavidade da brisa matinal e o perfume das
flores do campo e a doçura do luar.
E entregou-lhe a taça da alegria, dizendo-lhe: "Só
poderás beber desta taça se esqueceres o passado e não te preocupares com o
futuro."
E entregou-lhe a taça da tristeza, dizendo: "Bebe dela, e
compreenderás a essência da alegria da vida."
E soprou nela um amor que a abandonaria ao primeiro suspiro
de saciedade, e uma meiguice que a abandonaria à primeira manifestação de
orgulho.
E fez descer sobre ela, do céu, um instinto que lhe
revelaria os caminhos da verdade.
E depositou nas suas profundezas uma visão que vê, o que não
se vê.
E criou nela sentimentos que deslizam com as sombras e
caminham com os fantasmas.
E vestiu-a de um vestido de paixão que os anjos teceram com
as ondulações do arco-íris.
E colocou nela as trevas da dúvida, que são as sombras da
luz.
E tomou fogo da forja do ódio, e ventos do deserto da
ignorância, e areia do mar do egoísmo, e terra pisada pelos pés dos séculos e
amassou todos esses elementos e fez o homem.
E deu-lhe uma força cega que se inflama nas horas de loucura
e desvanece diante das tentações.
Depois, depositou nele a vida, que é o reflexo da morte.
E sorriu o Deus dos deuses, e chorou, e sentiu um amor
incomensurável e infinito e uniu o homem e a alma.
(A Alma - Khalil Gibran)
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