02 fevereiro 2018



... E o Deus dos deuses separou de si mesmo uma alma e a dotou de beleza.

E deu-lhe a suavidade da brisa matinal e o perfume das flores do campo e a doçura do luar.

E entregou-lhe a taça da alegria, dizendo-lhe: "Só poderás beber desta taça se esqueceres o passado e não te preocupares com o futuro." 

E entregou-lhe a taça da tristeza, dizendo: "Bebe dela, e compreenderás a essência da alegria da vida."

E soprou nela um amor que a abandonaria ao primeiro suspiro de saciedade, e uma meiguice que a abandonaria à primeira manifestação de orgulho.

E fez descer sobre ela, do céu, um instinto que lhe revelaria os caminhos da verdade.

E depositou nas suas profundezas uma visão que vê, o que não se vê.

E criou nela sentimentos que deslizam com as sombras e caminham com os fantasmas.

E vestiu-a de um vestido de paixão que os anjos teceram com as ondulações do arco-íris.

E colocou nela as trevas da dúvida, que são as sombras da luz.

E tomou fogo da forja do ódio, e ventos do deserto da ignorância, e areia do mar do egoísmo, e terra pisada pelos pés dos séculos e amassou todos esses elementos e fez o homem.

E deu-lhe uma força cega que se inflama nas horas de loucura e desvanece diante das tentações.

Depois, depositou nele a vida, que é o reflexo da morte.

E sorriu o Deus dos deuses, e chorou, e sentiu um amor incomensurável e infinito e uniu o homem e a alma.


(A Alma - Khalil Gibran)


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