No século XII, em 1160, num concurso aberto na Escola de Medicina de Marrocos, um médico moço chegado de Cordone, com 21 anos de idade apenas, recitou uma prece muito interessante e cheia de ensinamentos aplicáveis ainda em nossos dias.
Esse médico chamava-se Abou Amra Moussa ben Meimoen ben Obed Allah el Kartobi el Isrrail e logrou, dentre inúmeros candidatos, o primeiro prêmio por unanimidade da congregação da referida Escola Médica.
De sua prece é apenas conhecida a parte que contém admiráveis e elevadas regras deontológicas
que servem às nossas meditações profissionais. Traduzimos, de uma revista estrangeira, essa prece da forma seguinte:
“Que o amor da minha arte e de Tuas criaturas me anime sempre e que nem a avidez e a avareza, nem a sede de glória ou de uma alta reputação se aninhem em minha alma;
porque, os inimigos da verdade e da filantropia, poderiam facilmente me enganar e me afastar do conceito mais alto de sempre fazer o bem aos teus filhos!
Sustenta as forças do meu coração e da minha alma, a fim de que estejam sempre igualmente dispostas a servir tanto ao rico como ao pobre, ao bom como ao mau, ao amigo como ao inimigo e a
não ver no paciente senão o meu semelhante que sofre!
Conserva a minha inteligência sã e natural, e a torna capaz de compreender o presente e de presumir com justeza o futuro, ainda que distante; preserva, igualmente, meu espírito de uma obstinação teimosa que recusa conhecer o que é evidente e de uma vã presunção que lhe faça ver o que não deve ser visto!
Que meu espírito seja sempre senhor de si mesmo junto ao leito do enfermo; nem um pensamento estranho o distraia; tudo quanto a experiência e a reflexão sugiram se retrate e que nada possa
perturbar a sua meditação!
Inspira aos meus doentes confiança em mim e em minha arte e que sempre obedeçam as minhas prescrições.
Afasta deles todos os pseudo-médicos, que por certo destruiriam o benefício que eu lhes haja feito graças a Tua bondade infinita; do mesmo modo, afasta dos enfermos o enxame dos parentes
‘conselheiros’ e pessoas chamadas ‘prudentes’, porque essa gente é cruel, e, por vaidade ou ignorância, contraria e neutraliza os melhores sucessos da nossa arte sublime e santa, preparando
desastres e talvez desfechos precoces às Tuas criaturas!
Se médicos mais instruídos que eu quiserem me guiar e aconselhar, inspira-me a ter neles confiança, obedecendo-os cheio de reconhecimento; porque o estudo da arte é imenso – ars longa –
e não é dado a um só ver tudo o que os outros vêem!
Mas, se os ignorantes me censurarem e me escarnecerem, que o meu amor à minha arte encourasse o meu peito e torne o invulnerável, a fim de que sem deferências pela reputação, idade,
alta posição dos adversários, persista no que reconheceu como verdadeiro, porque a condescendência seria, nessa hipótese, um crime e provocaria a morte de Tuas criaturas!
Harmoniza-me a doçura e a paciência necessárias diante dos doentes caprichosos e em face dos colegas mais idosos que, orgulhosos de seus anos de prática pretenderem me repelir ou criticar-me!
Permita que eu aproveite bem os benefícios que uma longa experiência me possa ensinar o que eu ainda ignore e que, de qualquer forma, a presunção não perturbe a tranqüilidade de minha alma.
Possa eu ser moderado em tudo, exceto no conhecimento de minha arte santa e sublime e que jamais eu me afaste da idéia de tudo poder investigar e conhecer!
Concede-me as forças necessárias, o lazer, a veleidade e a ocasião de retificar os conhecimentos adquiridos, aumentando-os também pelo domínio do bom senso, porque, se a arte é sublime e santa,
imensa e elevada, pura, nobre e divina, o espírito do homem pode igualmente se expandir indefinidamente e se enriquecer diariamente através de novos e seguros conhecimentos!”.
(Abou Amra Moussa ben Meimoen ben Obed Allah el Kartobi el Isrrail)
Fonte: livro “ MEDICINA LEGAL” - Prof. Gerson Odilon Pereira
Nenhum comentário:
Postar um comentário