"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

21 junho 2011

Deve-se publicar tudo? E divulgar tudo que se publica?



Consideramos extraordinário o exemplo de Yvonne A. Pereira que, tendo recebido mediunicamente o livro “Memórias de um Suicida”, engavetou-o porque tinha dúvidas quanto ao conteúdo da obra.

Somente depois de mais de 20 anos é que o entregou à editora, após revisão espiritual de Leon Denis.

Hoje, porém, é fácil observar que muitos médiuns não procedem da mesma maneira, enviando apressadamente para publicação tudo que recebem do plano espiritual.

Daí um grande número de obras que não merecem ter sido publicadas por divulgarem violência, sensualidade, assuntos escabrosos, explicações anti-doutrinárias e temas excessivamente repetidos.

Ou apresentam linguagem confusa e até contradições.

Além disso há um número crescente de instituições assistenciais espíritas editando livros com o objetivo único de obter recursos financeiros sem avaliar devidamente o conteúdo de tais obras, o que, a nosso ver, contraria a finalidade superior do livro espírita, pois segundo Emmanuel "o livro espírita já é caridade em si mesmo”.

Diante desta situação, julgamos oportuno consultar a opinião de Allan Kardec, que tratou o problema em dois momentos na Revista Espírita: “Deve-se publicar tudo quanto dizem os espíritos?” (nov./1859) e “Exame das comunicações que nos enviam”(mai./1863), os quais recomendamos aos médiuns psicógrafos, escritores, editores e redatores de jornais espíritas.

Após uma leitura atenta dos dois artigos, destacamos, com algumas adaptações, as seguintes observações, denominando-as de critérios para análise de matéria destinada a publicação.

1 – Não aceitar cegamente textos mediúnicos sem um controle severo. Publicar sem exame, ou sem corretivo tudo quanto vem dos espíritos, seria dar prova de pouco discernimento;

2 – Ao lado de comunicações francamente más, outras há que são simplesmente triviais ou ridículas. Tais publicações têm inconveniente de induzir em erro pessoas que não estejam em condições de aprofundar-se e de discernir entre o verdadeiro e o falso;

3 – Há comunicações que podem prejudicar gravemente a causa que pretende defender, em escala muito maior que os grosseiros ataques e as injúrias de certos adversários;

4 – A importância que, pela divulgação, é dada às comunicações de espíritos inferiores os atrai, os excita e os encoraja;

5 – Os bons espíritos ensinam mais ou menos a mesma coisa por toda a parte, porque em toda parte há os mesmos vícios a reformar e as mesmas virtudes a pregar. Por isso, há centenas de lugares onde se obtém coisas semelhantes, e que é poderoso de interesse local pode ser banalidade para a massa;

6 – Uma coisa pode ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução pessoal, mas o que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Convém, portanto, rejeitar tudo quanto, pela sua condição particular, só interessa àquele a quem se destina. E também tudo quanto é vulgar no estilo e nas idéias, ou pueril pelo assunto;

7 – Mesmo a pessoa mais competente pode enganar-se: tudo está em enganar-se o menos possível. Há espíritos que se comprazem em alimentar em certos médiuns, a ilusão de que não estão sujeitos a enganos. Por isso, nunca seria demais recomendar a estes não confiar em seu próprio julgamento. Nesse sentido, os grupos são importantes pela multiplicidade de opiniões que neles podem ser colhidas. Aquele que, nesse caso, recusasse a opinião da maioria, julgando-se mais esclarecido que todos, provaria
superabundantemente a má influência sob a qual se acha;

8 – Ao lado de alguns bons pensamentos encontra-se, por vezes, idéias excêntricas, traços inequívocos da mais profunda ignorância. Nesta espécie de trabalho mediúnico é que mais evidentes são os sinais da obsessão, dos quais um dos mais freqüentes é a injunção da parte do espírito de os fazer imprimir;

9 – Nenhuma precaução é excessiva para evitar publicações lamentáveis. Em tais casos, mas vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa;

10 – Publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil. Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mal em vez de bem;

11 – Uma consideração não menos importante é a da oportunidade. Comunicações há cuja publicação é intempestiva e, por isso mesmo, prejudicial. Cada coisa deve vir a seu tempo;

12 – Não se trata de desencorajar as publicações. Longe disso. Mas mostrar a necessidade de rigorosa seleção do material.

Aplicando estes princípios às comunicações a ele enviadas até maio de 1863, Kardec classificou-as, obtendo as seguintes conclusões:

a) Em 3.600, mais de 3.000 eram de moralidade ireprochável;
b) Desse número, menos de 300 poderiam ser publicadas (menos de 10%);
c) Apenas 100 apresentavam-se de mérito inconteste.

Quanto aos originais produzidos por encarnados , em cerca de 30, Kardec encontrou 5 ou 6 de real valor.

Conclusão de Kardec: “no mundo invisível como na terra, não faltam escritores, mas os bons são raros.”

Estes critérios de Kardec, propostos para análise de viabilidade de publicações espíritas, são perfeitamente aplicáveis aos divulgadores no exame das obras já editadas.

Na verdade, o livro espírita deve ser examinado em diferentes níveis, sendo a passagem para o nível seguinte condicionada à aprovação nos anteriores, até chegar ao leitor. Pode-se citar os seguintes níveis principais:

a) Autor encarnado ou espírito e médium (Autocrítica)
b) Editor (incluindo-se as revisões gramaticais e gráficas)
c) Distribuidor
d) Divulgador

Esta sequência, entretanto, nem sempre é observada em uma, algumas ou, lamentavelmente, em nenhuma das etapas.

Mas como a nossa doutrina proporciona ampla liberdade à criatura, lembremos o dito do Mestre: “A cada um segundo a sua própria consciência”.

Nestas etapas em cadeia, a tarefa do divulgador reveste-se de especial importância, na medida em que representa a última oportunidade de se evitar a difusão de obras clara ou potencialmente prejudiciais aos postulados doutrinários básicos.

Estamos conscientes de que o problema apresenta aspecto delicado. Mais uma razão para enfrenta-lo com serenidade, sim, mas com determinação. 

Do contrário, Kardec não teria tido o cuidado de passar à posteridade suas observações, conclusões e recomendações.

É preciso haver um conjunto de critérios seletivos para aquilo que circula no âmbito de um movimento de porte e das responsabilidades do espiritismo. 

Não nos cabe impedir de que os textos inaceitáveis sejam lidos, mesmo porque cada um assume a responsabilidade pelo que faz ou permita que faça.

Entendemos, contudo, que é dever e direito do espírita consciente rejeitar a obra que lhe pareça inadequada, sem necessidade de nenhum comitê de censura e emitir listas condenatórias.

Por isso conclamamos os idealistas da área de divulgação do livro espírita a não ignorarem esta questão.

(Cintra e Castilho)

(transcrito do Jornal Macaé Espírita, edição de julho/agosto de 1992, página 3)






 

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