Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
Para a flor cantaste? Para a água
cuja formosura diz palavras às pedras?
Cantaste para os olhos para o perfil recortado
da que então amaste? Para a primavera?
Sim, mas aquela pétalas não tinham orvalho,
aquelas águas negras não tinham palavras,
aqueles olhos eram os que viram a morte,
ardiam ainda os martírios por detrás do amor,
a primavera estava salpicada de sangue.
- Cantei para os
escravos, eles sobre os navios
como um cacho escuro
da árvore da ira,
viajaram, e no porto
se dessangrou o navio
deixando-nos o peso de
um sangue roubado.
- Cantei naqueles dias
contra o inferno,
contra as afiadas
línguas da cobiça,
contra o ouro empapado
de tormento,
contra a mão que
empunhava o chicote,
contra os dirigentes
de trevas.
- Cada rosa tinha um
morto nas raízes.
A luz, a noite, o céu,
cobriam-se de pranto,
os olhos apartavam-se
das mãos feridas
e era a minha voz a
única que enchia o silêncio.
- Eu quis que do homem
nos salvássemos,
eu cria que a rota
passasse pelo homem,
e que daí tinha de
sair o destino.
Cantei para aqueles
que não tinham voz.
Minha voz bateu em
portas até então fechadas
Para que, combatendo,
a liberdade entrasse.
Castro Alves do Brasil, hoje que teu livro puro
torna a nascer para a terra livre,
deixam-me a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar.
(Pablo Neruda)
* * *
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