03 abril 2013

Dica de livro: "A arte de correr na chuva", de Garth Stein.



"Meu nome é Enzo. E esta é minha história."

Neste livro vemos a história de uma família contada sob a visão do dócil e sábio Enzo, um cachorro com alma humana, em seus derradeiros momentos de vida.

Enzo sabe que é diferente dos outros cachorros. Ele foi educado assistindo aos programas do canal National Geographic e ouvindo todos os conselhos de seu mestre e dono, Denny Swift, um piloto de corridas.

Por causa de Denny, Enzo adquiriu uma grande percepção da condição humana e aprendeu a administrar a vida como em uma corrida de Fórmula 1, onde nem sempre a velocidade é a melhor estratégia.

Em um flashback de sua vida, Enzo relembra momentos de ternura, amor, injustiça e traição que presenciou na vida de seu dono Denny...

“A Arte de Correr na Chuva” é um livro modelado nos desejos e absurdos da vida humana. 

Uma emocionante história de amor.

*  *  *

Abaixo um pequeno trecho. Boa leitura!


Os gestos são tudo que eu tenho; às vezes precisam ser de natureza ampla.
E, apesar de passarem dos limites em algumas ocasiões e parecerem melodramáticos, são o que tenho para me comunicar claramente. Para me fazer entender sem que reste nenhuma
dúvida.
Não posso contar com as palavras, pois, horror dos horrores, minha língua é comprida, lisa e descoordenada, sendo, portanto, um instrumento absolutamente ineficiente para empurrar a
comida dentro da minha boca enquanto mastigo, e ainda menos eficiente para produzir sons inteligentes e polissilábicos complexos que possam se unir para formar sentenças.
E é por isso que estou aqui agora, esperando Denny chegar em casa — ele deverá chegar logo —, deitado nos ladrilhos do piso frio da cozinha em uma poça de minha própria urina.
Estou velho.
E, embora esteja em condições de ficar ainda mais velho, não é assim que desejo ir embora. À base de injeções com remédios para a dor e esteróides para diminuir o inchaço das juntas. A visão nublada pela catarata.
Tenho certeza de que Denny me daria um daqueles carrinhos que já vi na rua, aqueles que apóiam os quadris de modo que o cachorro consiga arrastar o traseiro quando as coisas
começam a ficar realmente preocupantes. 
É uma situação constrangedora e degradante.
Não sei se é pior do que vestir um cachorro com roupas de Halloween, mas está perto. 
Ele faria isso por amor, é claro.
Tenho certeza de que faria qualquer coisa para me manter vivo pelo máximo tempo possível,com meu corpo se deteriorando, se desintegrando, se dissolvendo até que não restasse mais
nada além do meu cérebro flutuando em um vidro cheio de líquido transparente, os globos oculares boiando na superfície e todos os tipos de cabos e tubos alimentando o que restasse.
No entanto, eu não quero que me mantenham vivo.
Porque sei o que vem depois. Eu vi na televisão. Um documentário sobre a Mongólia. 
Foi a melhor coisa que já vi na televisão, tirando o Grande Prêmio da Europa de 1993, é claro, a maior corrida de todos os tempos, em que Ayrton Senna mostrou que era um gênio
na chuva. Depois do Grande Prêmio de 1993, o melhor programa a que assisti na televisão foi um documentário que explicava tudo, esclarecia pormenores, dizia toda a verdade: quando
um cachorro termina a vida como cachorro, sua próxima encarnação será como homem.
Sempre me senti quase humano.
Sempre soube que havia algo em relação a mim que era diferente dos outros cachorros.
Certo,  estou preso no corpo de um cachorro, mas trata-se apenas da carcaça.
O que está dentro é que é importante.
A alma.
E a minha alma é muito humana.

Editora Ediouro.

*  *  *

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