Divulgando um texto realista, que infelizmente reflete o meu dia a dia...
Não basta apenas ter médicos, é preciso ter recursos diagnósticos, medicação adequada, hospitais de qualidade com leitos suficientes e unidades básicas de saúde estruturadas, com material adequado e equipe de apoio completa e capacitada...
O que já vi: uma escola e um hospital desativado serem demolidos para dar lugar a supermercados...
É o Brasil.
*
Boa leitura para
preencher o domingo de Dilma
Alertado pelo repórter
Elio Gaspari, o signatário do blog chegou a um texto escrito por
Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso.
Cirurgiã, ela dá expediente no
Hospital Estadual Azevedo Lima, no Rio de Janeiro.
Dilma Rousseff ganharia
o domingo se reservasse alguns minutos para ler o texto da doutora.
Por baixo, pode vacinar-se contra bobagens injetadas em
pronunciamentos oficiais. Com sorte, pode melhorar o seu entendimento
sobre o SUS.
Sob o título “O dia
em que a presidenta Dilma em 10 minutos cuspiu no rosto de 370.000
médicos brasileiros”, o texto de Juliana está disponível aqui. E
vai reproduzido abaixo:
*
Há alguns meses eu fiz
um plantão em que chorei.
Não contei à ninguém
(é nada fácil compartilhar isso numa mídia social). Eu,
cirurgiã-geral, ‘do trauma’, médica ‘chatinha’, preceptora
‘bruxa’, que carrego no carro o manual da equipe militar
cirúrgica americana que atendia no Afeganistão, chorei.
Na frente da sala da
sutura tinha um paciente idoso internado. Numa cadeira. Com o soro
pendurado na parede num prego similiar aos que prendemos plantas
(diga-se: samambaias). Ao seu lado, seu filho. Bem vestido.
Com fala pausada, calmo
e educado. Como eu. Como você. Como nós. Perguntava pela
possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há
mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez
que abria a portinha da sutura ele estava lá. Esperando.
Como eu. Como você.
Como nós. Teve um momento que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão,
começou a chorar, olhou para mim e disse “não é para mim, é
para o meu pai, uma maca”. Como eu faria. Como você. Como nós.
Pensei ‘meudeusdocéu,
com todos que passam aqui, justo eu… Nãoooo….. Porque se chorar
eu choro, se falar do seu pai eu choro, se me der um desafio vou
brigar com 5 até tirá-lo daqui’.
E saí, chorei, voltei,
briguei e o coloquei numa maca retirada da ala feminina.
Já levei meu pai para
fazer exame no meu HU. O endoscopista quando soube que era meu pai,
disse ‘por que não me falou, levava no privado, Juliana!’ Não
precisamos, acredito nas pessoas que trabalham comigo. Que me
ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão precisou e o levei lá.
Todos os nossos médicos
são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos
mais, é porque as instituições públicas carecem. Carecem e
padecem de leitos, aparelhos, materiais e medicamentos.
Uma vez fiz um risco
cirúrgico e colhi sangue no meu hospital universitário. No
consultório de um professor ele me pergunta: ‘e você confia?’.
‘Se confio para os
meus pacientes tenho que confiar para mim.’
Eu pratico a medicina.
Ela pisa em mim alguns dias, me machuca, tira o sono, dá rugas,
lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me faz melhor. Aprendo,
cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as assim. Faço
porque acredito.
Nesses últimos dias de
protestos nas ruas e nas mídias brigamos por um país melhor. Menos
corrupto. Transparente. Menos populista. Com mais qualidade. Com mais
macas. Com hospitais melhores, mais equipamentos e que não faltem
medicamentos. Um SUS melhor.
Briguei pelo filho do
paciente ajoelhado. Por todos os meus pacientes. Por mim. Por você.
Por nós. O SUS é nosso.
Não tenho palavras para descrever o que
penso da ‘Presidenta’ Dilma. (Uma figura que se proclama ‘a
presidenta’ já não merece minha atenção).
Mas hoje, por mim, por
você, pelo meu paciente na cadeira, eu a ouvi.
A ouvi dizendo que
escutou ‘o povo democrático brasileiro’. Que escutou que
queremos educação, saúde e segurança de qualidades. ‘Qualidade’…
Ela disse.
E disse que importará
médicos para melhorar a saúde do Brasil….
Para melhorar a
qualidade…?
Sra ‘presidenta’,
eu sou uma médica de qualidade. Meus pais são médicos de
qualidade. Meus professores são médicos de qualidade. Meus amigos
de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico brasileiro é de
qualidade.
Os seus hospitais é
que não são. O seu SUS é que não tem qualidade. O seu governo é
que não tem qualidade.
O dia em que a Sra
‘presidenta’ abrir uma ficha numa UPA, for internada num Hospital
Estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar que isso é de
qualidade, aí conversaremos.
Não cuspa na minha
cara, não pise no meu diploma. Não me culpe da sua incompetência.
Somos quase 400 mil,
não nos ofenda. Estou amanhã de plantão, abra uma ficha, eu te
atendo. Não demora, não.
Não faltam médicos,
mas não garanto que tenha onde sentar. Afinal, a cadeira é
prioridade dos internados.
Hoje, eu chorei de
novo.“
(Blog do Josias)
Fonte:
http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2013/06/30/boa-leitura-para-preencher-o-domingo-de-dilma/
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