Um texto sobre a meditação e seus caminhos nem sempre fáceis, mas que também discorre de forma interessante sobre a dor do corpo e da alma e como enfrentá-las...
*
Ir além da dor
Ir além de: precisamos de uma clarificação.
No nosso andar cotidiano passamos pelas coisas - e as
deixamos para trás.
As coisas "aproximam-se" e
"distanciam-se". Neste aproximar e distanciar, algumas vezes dizemos que vamos "além de" algo.
Ultra-passamos,
trans-passamos, "para"-passamos.
Deixamos para trás; nós e as coisas estamos "além".
A dor também é algo que se nos aproxima e distancia.
Podemos sentir a sua aproximação e dela nos refugiar,
abrigar, proteger.
Sentados peri-imóveis, vemos a sua aproximação. A mão de
ferro da dor nos comprime, devagar mas sem hesitação: é decidida, não duvida. Nos deixamos ficar tensos na compressão deste amplexo.
Assim estamos, então, sentados e em dor. A dor está presente:
aproximou-se, porém não se distancia. Diferindo de um ponto pelo qual passamos e
deixamos "para trás", a dor permanece. Se desistimos do nosso sentar, evitamos a dor -
nos abrigamos dela.
Mas assim vamos para além dela?
Não; somente a anulamos como possibilidade de ser. Ela torna
a ser quando as condições estão postas.
Torna-se claro que ir além da dor, então, não
é dela se distanciar como algo no mundo, como o seria ir além da árvore na esquina. "Ir
além" da dor é ultrapassa-la incluindo-a.
Ultrapassar incluindo é como virar a luz da vela para
iluminar a chama.
Ao sentar, sentimos a dor. Ela continua existindo, como dor,
mesmo quando vamos "para além" dela. Não nos tornamos insensíveis, dela, como
dor; não fugimos. Lá - aqui - ela está e continua.
É preciso a aguda e perfurante determinação para ir além da
dor; é preciso uma cálida paciência para aprender a soltar, relaxando, nosso corpo da
gélida mão pétrea da dor.
É por isto que ir além da dor sempre foi descrito em tons
heroicos; determinação e "coragem" são a marca do herói - força de leão, olhar de águia.
Fora
isto, ir além da dor não tem precisamente nada de heroico; é simplesmente a pura determinação
de vivenciar o shikantaza* em sua simplicidade.
*****
O melhor a fazer, com relação a dor durante o zazen**, é: vá um
pouco além do ponto que você costuma aguentar.
Depois, simplesmente troque de posição, se
preciso.
Ficar com a dor "heroicamente" deve ser uma escolha, e não uma
obrigação.
Não faça mal a si mesmo, a dor é um bom sinal de algo que não está tão bem assim.
(Seigaku)
*Significa, literalmente, "apenas sentar"
** é a base da prática Zen Budista. O objetivo do zazen é
"apenas sentar", com a mente aberta, sem apegar-se aos pensamentos
que fluem livremente.
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