11 novembro 2013

Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas


De repente eu me sentei na frente desta tela e desejei palavras de consolo e coragem...



Nos últimos dias, situações inexplicáveis e imensamente tristes, tragédias pessoais e mundiais, a morte violenta de crianças - como o pequeno Joaquim, e o super-tufão Haiyan e suas consequências nefastas, chamaram a atenção de todos e ganharam destaque na mídia e em nossos corações.

Confesso que temi pelos tempos que se desenham, pela dor do outro que também é minha dor, e por todos que amo.



Mesmo com todo o esclarecimento da Espiritualidade, através da leitura e estudo de livros e textos, humildemente me senti incapaz, vulnerável e indaguei ao Alto sobre os porquês.



E o Universo me ouviu. E me trouxe essa entrevista como resposta.



Simplesmente um pai, Harold Kushner, um Rabino cujo coração passou pela maior dor possível: a perda de um filho.



Eis alguns trechos desta entrevista.





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Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas





O Rabino Harold Kushner é uma das autoridades religiosas mais respeitadas do mundo.



Seu best-seller, “Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas”, já vendeu mais de 4 milhões de cópias.



O livro foi escrito após a morte trágica de seu filho, que aos três anos de idade foi diagnosticado com uma doença degenerativa raríssima.



A obra trata de assuntos referentes à vida, ao sofrimento humano e à onipotência de Deus.



Seus livros têm sido uma fonte de inspiração para milhares de pessoas em todo o mundo.



Veja aqui a entrevista que foi concedida a Ricardo Guerra, em seu blog, onde Kushner fala sobre diversos assuntos, entre eles, a tragédia que atingiu Santa Maria.






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Pergunta Blog: O seu best-seller foi uma fonte de inspiração e de consolo para milhões de pessoas que passaram por momentos difíceis em todo o mundo. O que motivou você a escrever este livro com tanta sabedoria e discernimento? Será que foi a experiência trágica que você enfrentou com o seu filho?



Harold Kushner: Foi sim. Sem dúvida.





Pergunta Blog: Você gostaria de comentar sobre essa experiência?





Harold Kushner: Vou contar-lhe toda a história. Eu cresci sempre acreditando em um Deus Todo Poderoso e onipotente. Porém, se não pudéssemos entender porque Deus permitiu o Holocausto e o nascimento de Hitler, ou que pessoas inocentes morressem sofrendo de dores agonizantes por meio de um câncer, então seria a nossa interpretação a respeito da função Dele que seria limitada, pois não foi Deus que permitiu tais coisas.



Não podia ser Deus. Ele não faz isso, não escolhe tão arbitrariamente entre uma pessoa e outra.



A minha formação como rabino no seminário, foi muito influenciada por essa linha de raciocínio.



Quando descobri que meu filho inocente estava condenado a uma vida de sofrimento, ou eu tinha que parar de acreditar em Deus e deixar de ser um rabino, ou eu tinha que passar a entender o papel de Deus, a função dele no mundo de uma forma diferente.



E foi aí que vi que Deus estava do meu lado, que Deus não queria que estas coisas acontecessem comigo.



O que aconteceu com o meu filho foi uma fatalidade, foi simplesmente uma aberração da genética.



Mas uma vez que isso aconteceu e nós soubemos o diagnóstico do nosso filho, minha esposa e eu não sabíamos se íamos ser capazes de lidar com tal desafio e, no entanto, conseguimos.



De alguma forma encontramos a força, a sabedoria e a coragem para fazer exatamente o que tinha de ser feito: fomos capazes de criá-lo e de fazer o melhor possível perante uma situação trágica.



Ele encontrou os recursos e as forças para lidar com o desafio que estava diante dele.



E foi essa experiência que mudou completamente minha visão – eu não estava mais com raiva de Deus, e poderia novamente voltar a contar com Ele e pedir sua ajuda em momentos difíceis.



Eu poderia continuar com a minha fé Nele para ajudar outras pessoas com os seus problemas, e isso mudou tudo.





Pergunta Blog: Em seu livro, você argumenta contra a crença de que Deus é uma força onipotente. Você poderia apresentar aos leitores uma introdução a este tema?





Harold Kushner: Algumas pessoas encontram muita dificuldade em aceitar ou lidar com a ideia de que existe aleatoriedade no universo. Elas procuram razões e justificações para tudo o que acontece.



No entanto, coisas boas e ruins podem acontecer sem qualquer motivo aparente.



Quando um motorista bêbado dirige seu carro sobre a linha central de uma estrada, colidindo com um Chevrolet verde e matando os passageiros daquele carro, em vez do Ford vermelho 50 metros mais distante, não há qualquer razão específica para a perda de uma vida ao invés de outra. Esses eventos não refletem as escolhas de Deus. Deus não escolhe de que forma acabar, tão arbitrariamente, com uma vida em vez de outra.



Porém, diante de tal cenário, muitos dos que acabam de sofrer uma tragédia sentem raiva de Deus, porque Lhe atribuem a culpa do acontecido. Ficam convencidos de que Ele é cruel, ou de que são pecadores e responsáveis pelo que aconteceu, ao invés de aceitarem a aleatoriedade que existe no universo.



O que eu proponho nos meus livros é que encaremos a posição de Deus em nosso mundo de uma maneira completamente diferente.





Pergunta Blog: Você poderia explicar o assunto com maior profundidade?





Harold Kushner: O psicanalista Carl Jung tem uma teoria de que as crianças sempre procuram acreditar que seus pais são todo-poderosos, isto é, que os pais podem consertar qualquer coisa que estiver errada ou com algum defeito e que eles podem protegê-los de qualquer coisa.



E elas ficam completamente desiludidas quando descobrem que eles não possuem a capacidade de protegê-las em todas as circunstâncias.



Assim como as crianças, as pessoas direcionam essa crença de um protetor todo poderoso para seus líderes religiosos e políticos: como o rei, o presidente ou o papa.



Desse modo, quem quer que seja essa figura, se torna o novo onipotente, o sábio, que irá fazer tudo o que é certo.



Quando descobrimos que essa figura também é apenas um ser humano, projetamos esta crença em Deus. Desta forma, nenhum ser humano pode ser todo-poderoso, mas Deus pode! Deus diz: “Espere um minuto! Nunca foi minha ideia ser o Todo-Poderoso. Essa é a sua maneira de evitar suas responsabilidades, depositando-as sobre de mim”.



Deus diz: “Meu poder não é controlar o que aconteceu. Meu poder está direcionado para que você tenha as forças necessárias para responder ao que aconteceu. Meu poder é intervir após o fato, após o acontecimento. E ajudá-lo a lidar com o que aconteceu”.



Na minha opinião, é aí que está a força, o poder que Deus tem, não para controlar os fatos, mas para que possamos lidar da melhor forma com o que aconteceu.





Pergunta Blog: Como você sabe, na semana passada uma tragédia atingiu o estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, quando mais de 234 vidas foram perdidas em um incêndio em uma boate. Diversas famílias foram destruídas, e os familiares, inconsoláveis, encontram-se na difícil situação de ter que encontrar forças extraordinárias para continuar vivendo sem os seus entes queridos. Como pode alguém, filosófica e teologicamente, começar a tentar lidar com uma tragédia tão terrível como essa?



Harold Kushner: Eu tenho conhecimento do que aconteceu e me solidarizo com os brasileiros neste momento muito difícil. A função de Deus é de nos dar a força de vontade e a coragem para continuar a vida até mesmo diante de um episódio tão trágico como este.

Seus entes devem saber que Deus não teve nenhuma responsabilidade em tirar a vida dessas pessoas inocentes, e ele não é responsável pelo que aconteceu.



A única coisa que podemos pedir a Deus é para nos guiar e nos dar a força para lidar com essa tragédia terrível. Ele vai estar lá para ajudar e guiar os seus parentes que no momento se encontram inconsoláveis após esta terrível tragédia.





[...]





Pergunta Blog: Como pode um devoto judeu, cristão ou muçulmano conciliar sua fé com o conselho que você dá, ou seja, que questiona a onipotência de Deus?



Harold Kushner: Sim, é necessário certo esforço. Não é uma tarefa completamente fácil. Aquilo em que eu acredito não necessariamente funciona para todos. E eu serei o primeiro a admitir que, se o sistema tradicional funciona para você, então não é necessário buscar outra alternativa.



Eu não quero roubar as pessoas das alternativas de pensamento que funcionam para elas. No entanto, para muitos dos que estão confusos e dizem: “Eu quero e gostaria de acreditar em um Deus que escute as minhas orações, mas eu rezo e minhas orações não são respondidas”, eu quero oferecer uma alternativa que torne desnecessário eles terem que parar de acreditar em Deus, ou terem que brigar com Deus.



Vou tentar explicar melhor o meu ponto de vista: eu acho que muitas pessoas que são religiosas têm problemas com a oração, porque tendem a confundir a figura de Deus com a do Papai Noel. Nossa compreensão de Deus, ou da função que ele tem, é a seguinte: fazemos uma lista de tudo o que queremos e achamos que merecemos e imploramos para que Deus nos dê tudo o que achamos que merecemos ou que nos faz felizes.



No entanto, tais pedidos só poderiam ser correspondidos se Deus fosse Papai Noel. Deus não o é.



O que devemos dizer a Deus é: “Eu estou enfrentando uma situação muito difícil. Eu acho que posso lidar com isso se eu tiver certeza de que você está do meu lado, que você não está fazendo isso comigo, mas que você está me apoiando, trabalhando contra o crime, trabalhando contra a injustiça que potencialmente pode vir a me afligir. Se eu souber que você está do meu lado, aí sim, eu posso encontrar forças para continuar no meu caminho”.



É desta forma que eu gostaria de encorajar as pessoas a conciliar essa ideia com a relação tradicional das orações.



[...]





Pergunta Blog: Sócrates sabiamente disse que aqueles que querem o menor número de coisas estão mais próximos dos deuses. Parece que, como sociedade, nós estamos cada vez mais longe deste conceito. No entanto, os níveis de depressão e infelicidade são os mais altos em alguns dos países mais ricos do mundo. Qual é a sua explicação para tal fenômeno?





Harold Kushner: Deixa eu te dizer uma coisa, essa pergunta me intriga da mesma maneira que provavelmente intriga você. Às vezes eu acho que a culpa é da publicidade que atormenta as pessoas com imagens de diversos bens materiais que não possuímos.



O objetivo é o de convencer sutilmente o ser humano de que ele seria mais feliz se tivesse isso ou aquilo.



Havia um tempo em que as pessoas eram felizes com um décimo do que uma pessoa em média tem hoje em dia.



Assim sendo, eu acho que as expectativas aumentaram e, em consequência disso, eu acho que muitas pessoas estão infelizes consigo mesmas e com o tipo de pessoa que são. Na verdade, elas não têm noção do que verdadeiramente está lhes faltando.



Meu sermão durante o Yom Kippur, no ano passado, dizia algo sobre o fato de termos a tendência de invejar todas essas pessoas ricas. Muitas vezes, temos conhecimento dos problemas que muitas famílias famosas e de alto poder aquisitivo têm, como por exemplo, seus filhos que são presos por uso de drogas, seus múltiplos divórcios e suas cirurgias plásticas sucessivas.



No entanto, nunca paramos para nos perguntar, porque estamos invejando essas famílias ou pessoas.



Na verdade, talvez sejam eles que estejam nos invejando. Portanto, é muito possível que haja milionários que dizem: “Talvez eu pudesse ser mais feliz com um décimo do que eu estou ganhando, se pudesse ter a família e o casamento que eu vejo outras pessoas tendo”.



Assim sendo, nós não damos valor ao que temos.



As pessoas seriam muito mais felizes se pudessem focalizar naquilo que elas possuem e terem gratidão por aquilo que têm. E deveriam se sentir abençoadas por isso e satisfeitas com o mundo em que vivem.



Vale a pena discutir o assunto um pouco mais a fundo. A pessoa mais pobre na minha comunidade, por exemplo, vive melhor do que o imperador da Rússia vivia, pois ela tem calefação e canalização, tem todos os tipos de dispositivos elétricos para cozinhar seus alimentos, automóveis e entretenimento que o imperador naquela época sequer sonhava ter.



Nossas vidas realmente teriam muito a nos oferecer, se tivéssemos a habilidade de focarmos somente naquilo que temos, ao invés de dar importância às coisas que nos faltam.



[...]





Harold Kushner: Você está comentando sobre um dos assuntos o qual tenho maior interesse. Religião, ou teologia não significa crença individual. Religião significa comunidade. A religião é algo que conecta as pessoas.



Eu acredito que a origem da palavra “religio” está relacionada com a palavra em latim “religare,” que significa “re-ligar,” “reconectar”.



O objetivo da religião é colocar-nos em uma comunidade que apoia o compromisso com tais valores, que promove o espírito de comunidade e de equipe e que nos ajuda a pôr em prática esse espírito no dia a dia.





Pergunta Blog: Então, eu presumo que você é da opinião que os treinadores lendários que são influenciados pela religião e pela filosofia, tais como Vince Lombardi, John Wooden e Phil Jackson, possuíam uma maior habilidade de unir e fazer as pessoas lutarem por objetivos comuns.





Harold Kushner: Ah, com certeza. Eu acho que a era dos grandes homens que só dizem “siga-me,” como os Napoleões e os Césares da vida, ficaram para trás.



O que faz um líder ser eficiente e bem sucedido na área do esporte, negócios e política, é a habilidade de criar comunidades onde as pessoas estão dispostas a juntar suas forças com as dos outros em prol do grupo.



O Phil Jackson que você mencionou falava sobre os cinco jogadores do Chicago Bulls como se fossem os dedos de uma mão. Quando eles estão todos em sintonia, eles formam um punho compacto.

Eu acho que é isso que um verdadeiro líder deve propagar nos dias de hoje.




Pergunta Blog: A vida dá muitas voltas, e em várias ocasiões nos pega completamente de surpresa, e o imprevisível às vezes acontece. Como podemos filosoficamente e teologicamente nos preparar para tais acontecimentos inesperados que possam vir a acontecer? E como é que podemos viver em um mundo sem receios e sem medo?





Harold Kushner: Essa é uma pergunta muito boa. Com tudo o que vemos, você tem que estar apreensivo sobre o futuro. Em um programa de TV em que eu estava participando alguns anos atrás, no Canadá, alguém me disse: “Eu estou com medo, porque não consigo enxergar o futuro”.

E eu disse-lhe que não deveria saber sobre o futuro.



É como assistir a um filme do qual você já sabe o final. A religião não oferece garantias a ninguém de que as coisas vão correr bem e também não promete que se você for uma boa pessoa, as coisas vão correr bem.



O que a religião diz é o seguinte: “Sim, é claro que estamos apreensivos sobre o futuro neste mundo muito confuso e incerto”.



A promessa da religião não é que as pessoas boas vão ter um final feliz.



A promessa da religião é que, aconteça o que acontecer, você terá os recursos para lidar com qualquer situação.



Essa é a mensagem que eu passo regularmente à minha congregação. É essa a mensagem que eu gostaria de estender aos seus leitores.



Não sabemos se coisas boas irão nos acontecer no próximo ano, mas temos plena confiança de que, para o que mais tememos, Deus nos proporcionará os poderes e a força que nunca imaginaríamos ter para ser capazes de lidar com nossas adversidades, por maiores que elas sejam.










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