De repente eu me sentei
na frente desta tela e desejei palavras de consolo e coragem...
Nos últimos dias,
situações inexplicáveis e imensamente tristes, tragédias
pessoais e mundiais, a morte violenta de crianças - como o
pequeno Joaquim, e o super-tufão Haiyan e suas consequências
nefastas, chamaram a atenção de todos e ganharam destaque na
mídia e em nossos corações.
Confesso que temi pelos tempos que se desenham, pela
dor do outro que também é minha dor, e por todos que amo.
Mesmo com todo o
esclarecimento da Espiritualidade, através da leitura e estudo de
livros e textos, humildemente me senti incapaz, vulnerável e indaguei ao Alto sobre os porquês.
E o Universo me ouviu.
E me trouxe essa entrevista como resposta.
Simplesmente um pai, Harold Kushner, um Rabino cujo coração passou pela maior dor
possível: a perda de um filho.
Eis alguns trechos
desta entrevista.
*
Quando coisas ruins
acontecem às pessoas boas
O Rabino Harold Kushner
é uma das autoridades religiosas mais respeitadas do mundo.
Seu best-seller,
“Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas”, já vendeu mais
de 4 milhões de cópias.
O livro foi escrito
após a morte trágica de seu filho, que aos três anos de idade foi
diagnosticado com uma doença degenerativa raríssima.
A obra trata de
assuntos referentes à vida, ao sofrimento humano e à onipotência
de Deus.
Seus livros têm sido
uma fonte de inspiração para milhares de pessoas em todo o mundo.
Veja aqui a entrevista
que foi concedida a Ricardo Guerra, em seu blog, onde Kushner fala
sobre diversos assuntos, entre eles, a tragédia que atingiu Santa
Maria.
*
Pergunta Blog:
O seu best-seller foi uma fonte de inspiração e de consolo para
milhões de pessoas que passaram por momentos difíceis em todo o
mundo. O que motivou você a escrever este livro com tanta sabedoria
e discernimento? Será que foi a experiência trágica que você
enfrentou com o seu filho?
Harold Kushner:
Foi sim. Sem dúvida.
Pergunta Blog:
Você gostaria de comentar sobre essa experiência?
Harold Kushner:
Vou contar-lhe toda a história. Eu cresci sempre acreditando em um
Deus Todo Poderoso e onipotente. Porém, se não pudéssemos entender
porque Deus permitiu o Holocausto e o nascimento de Hitler, ou que
pessoas inocentes morressem sofrendo de dores agonizantes por meio de
um câncer, então seria a nossa interpretação a respeito da função
Dele que seria limitada, pois não foi Deus que permitiu tais coisas.
Não podia ser Deus.
Ele não faz isso, não escolhe tão arbitrariamente entre uma pessoa
e outra.
A minha formação como
rabino no seminário, foi muito influenciada por essa linha de
raciocínio.
Quando descobri que meu
filho inocente estava condenado a uma vida de sofrimento, ou eu tinha
que parar de acreditar em Deus e deixar de ser um rabino, ou eu tinha
que passar a entender o papel de Deus, a função dele no mundo de
uma forma diferente.
E foi aí que vi que
Deus estava do meu lado, que Deus não queria que estas coisas
acontecessem comigo.
O que aconteceu com o
meu filho foi uma fatalidade, foi simplesmente uma aberração da
genética.
Mas uma vez que isso
aconteceu e nós soubemos o diagnóstico do nosso filho, minha esposa
e eu não sabíamos se íamos ser capazes de lidar com tal desafio e,
no entanto, conseguimos.
De alguma forma
encontramos a força, a sabedoria e a coragem para fazer exatamente o
que tinha de ser feito: fomos capazes de criá-lo e de fazer o melhor
possível perante uma situação trágica.
Ele encontrou os
recursos e as forças para lidar com o desafio que estava diante
dele.
E foi essa experiência
que mudou completamente minha visão – eu não estava mais com
raiva de Deus, e poderia novamente voltar a contar com Ele e pedir
sua ajuda em momentos difíceis.
Eu poderia continuar
com a minha fé Nele para ajudar outras pessoas com os seus
problemas, e isso mudou tudo.
Pergunta Blog:
Em seu livro, você argumenta contra a crença de que Deus é uma
força onipotente. Você poderia apresentar aos leitores uma
introdução a este tema?
Harold Kushner:
Algumas pessoas encontram muita dificuldade em aceitar ou lidar com a
ideia de que existe aleatoriedade no universo. Elas procuram razões
e justificações para tudo o que acontece.
No entanto, coisas boas
e ruins podem acontecer sem qualquer motivo aparente.
Quando um motorista
bêbado dirige seu carro sobre a linha central de uma estrada,
colidindo com um Chevrolet verde e matando os passageiros daquele
carro, em vez do Ford vermelho 50 metros mais distante, não há
qualquer razão específica para a perda de uma vida ao invés de
outra. Esses eventos não refletem as escolhas de Deus. Deus não
escolhe de que forma acabar, tão arbitrariamente, com uma vida em
vez de outra.
Porém, diante de tal
cenário, muitos dos que acabam de sofrer uma tragédia sentem raiva
de Deus, porque Lhe atribuem a culpa do acontecido. Ficam convencidos
de que Ele é cruel, ou de que são pecadores e responsáveis pelo
que aconteceu, ao invés de aceitarem a aleatoriedade que existe no
universo.
O que eu proponho nos
meus livros é que encaremos a posição de Deus em nosso mundo de
uma maneira completamente diferente.
Pergunta Blog:
Você poderia explicar o assunto com maior profundidade?
Harold Kushner:
O psicanalista Carl Jung tem uma teoria de que as crianças sempre
procuram acreditar que seus pais são todo-poderosos, isto é, que os
pais podem consertar qualquer coisa que estiver errada ou com algum
defeito e que eles podem protegê-los de qualquer coisa.
E elas ficam
completamente desiludidas quando descobrem que eles não possuem a
capacidade de protegê-las em todas as circunstâncias.
Assim como as crianças,
as pessoas direcionam essa crença de um protetor todo poderoso para
seus líderes religiosos e políticos: como o rei, o presidente ou o
papa.
Desse modo, quem quer
que seja essa figura, se torna o novo onipotente, o sábio, que irá
fazer tudo o que é certo.
Quando descobrimos que
essa figura também é apenas um ser humano, projetamos esta crença
em Deus. Desta forma, nenhum ser humano pode ser todo-poderoso, mas
Deus pode! Deus diz: “Espere um minuto! Nunca foi minha ideia ser o
Todo-Poderoso. Essa é a sua maneira de evitar suas
responsabilidades, depositando-as sobre de mim”.
Deus diz: “Meu poder
não é controlar o que aconteceu. Meu poder está direcionado para
que você tenha as forças necessárias para responder ao que
aconteceu. Meu poder é intervir após o fato, após o acontecimento.
E ajudá-lo a lidar com o que aconteceu”.
Na minha opinião, é
aí que está a força, o poder que Deus tem, não para controlar os
fatos, mas para que possamos lidar da melhor forma com o que
aconteceu.
Pergunta Blog:
Como você sabe, na semana passada uma tragédia atingiu o estado do
Rio Grande do Sul, no Brasil, quando mais de 234 vidas foram perdidas
em um incêndio em uma boate. Diversas famílias foram destruídas, e
os familiares, inconsoláveis, encontram-se na difícil situação de
ter que encontrar forças extraordinárias para continuar vivendo sem
os seus entes queridos. Como pode alguém, filosófica e
teologicamente, começar a tentar lidar com uma tragédia tão
terrível como essa?
Harold Kushner:
Eu tenho conhecimento do que aconteceu e me solidarizo com os
brasileiros neste momento muito difícil. A função de Deus é de
nos dar a força de vontade e a coragem para continuar a vida até
mesmo diante de um episódio tão trágico como este.
Seus entes devem saber
que Deus não teve nenhuma responsabilidade em tirar a vida dessas
pessoas inocentes, e ele não é responsável pelo que aconteceu.
A única coisa que
podemos pedir a Deus é para nos guiar e nos dar a força para lidar
com essa tragédia terrível. Ele vai estar lá para ajudar e guiar
os seus parentes que no momento se encontram inconsoláveis após
esta terrível tragédia.
[...]
Pergunta Blog:
Como pode um devoto judeu, cristão ou muçulmano conciliar sua fé
com o conselho que você dá, ou seja, que questiona a onipotência
de Deus?
Harold Kushner:
Sim, é necessário certo esforço. Não é uma tarefa completamente
fácil. Aquilo em que eu acredito não necessariamente funciona para
todos. E eu serei o primeiro a admitir que, se o sistema tradicional
funciona para você, então não é necessário buscar outra
alternativa.
Eu não quero roubar as
pessoas das alternativas de pensamento que funcionam para elas. No
entanto, para muitos dos que estão confusos e dizem: “Eu quero e
gostaria de acreditar em um Deus que escute as minhas orações, mas
eu rezo e minhas orações não são respondidas”, eu quero
oferecer uma alternativa que torne desnecessário eles terem que
parar de acreditar em Deus, ou terem que brigar com Deus.
Vou tentar explicar
melhor o meu ponto de vista: eu acho que muitas pessoas que são
religiosas têm problemas com a oração, porque tendem a confundir a
figura de Deus com a do Papai Noel. Nossa compreensão de Deus, ou da
função que ele tem, é a seguinte: fazemos uma lista de tudo o que
queremos e achamos que merecemos e imploramos para que Deus nos dê
tudo o que achamos que merecemos ou que nos faz felizes.
No entanto, tais
pedidos só poderiam ser correspondidos se Deus fosse Papai Noel.
Deus não o é.
O que devemos dizer a
Deus é: “Eu estou enfrentando uma situação muito difícil. Eu
acho que posso lidar com isso se eu tiver certeza de que você está
do meu lado, que você não está fazendo isso comigo, mas que você
está me apoiando, trabalhando contra o crime, trabalhando contra a
injustiça que potencialmente pode vir a me afligir. Se eu souber que
você está do meu lado, aí sim, eu posso encontrar forças para
continuar no meu caminho”.
É desta forma que eu
gostaria de encorajar as pessoas a conciliar essa ideia com a relação
tradicional das orações.
[...]
Pergunta Blog:
Sócrates sabiamente disse que aqueles que querem o menor número de
coisas estão mais próximos dos deuses. Parece que, como sociedade,
nós estamos cada vez mais longe deste conceito. No entanto, os
níveis de depressão e infelicidade são os mais altos em alguns dos
países mais ricos do mundo. Qual é a sua explicação para tal
fenômeno?
Harold Kushner:
Deixa eu te dizer uma coisa, essa pergunta me intriga da mesma
maneira que provavelmente intriga você. Às vezes eu acho que a
culpa é da publicidade que atormenta as pessoas com imagens de
diversos bens materiais que não possuímos.
O objetivo é o de
convencer sutilmente o ser humano de que ele seria mais feliz se
tivesse isso ou aquilo.
Havia um tempo em que
as pessoas eram felizes com um décimo do que uma pessoa em média
tem hoje em dia.
Assim sendo, eu acho
que as expectativas aumentaram e, em consequência disso, eu acho que
muitas pessoas estão infelizes consigo mesmas e com o tipo de pessoa
que são. Na verdade, elas não têm noção do que verdadeiramente
está lhes faltando.
Meu sermão durante o
Yom Kippur, no ano passado, dizia algo sobre o fato de termos a
tendência de invejar todas essas pessoas ricas. Muitas vezes, temos
conhecimento dos problemas que muitas famílias famosas e de alto
poder aquisitivo têm, como por exemplo, seus filhos que são presos
por uso de drogas, seus múltiplos divórcios e suas cirurgias
plásticas sucessivas.
No entanto, nunca
paramos para nos perguntar, porque estamos invejando essas famílias
ou pessoas.
Na verdade, talvez
sejam eles que estejam nos invejando. Portanto, é muito possível
que haja milionários que dizem: “Talvez eu pudesse ser mais feliz
com um décimo do que eu estou ganhando, se pudesse ter a família e
o casamento que eu vejo outras pessoas tendo”.
Assim sendo, nós não
damos valor ao que temos.
As pessoas seriam muito
mais felizes se pudessem focalizar naquilo que elas possuem e terem
gratidão por aquilo que têm. E deveriam se sentir abençoadas por
isso e satisfeitas com o mundo em que vivem.
Vale a pena discutir o
assunto um pouco mais a fundo. A pessoa mais pobre na minha
comunidade, por exemplo, vive melhor do que o imperador da Rússia
vivia, pois ela tem calefação e canalização, tem todos os tipos
de dispositivos elétricos para cozinhar seus alimentos, automóveis
e entretenimento que o imperador naquela época sequer sonhava ter.
Nossas vidas realmente
teriam muito a nos oferecer, se tivéssemos a habilidade de focarmos
somente naquilo que temos, ao invés de dar importância às coisas
que nos faltam.
[...]
Harold Kushner:
Você está comentando sobre um dos assuntos o qual tenho maior
interesse. Religião, ou teologia não significa crença individual.
Religião significa comunidade. A religião é algo que conecta as
pessoas.
Eu acredito que a
origem da palavra “religio” está relacionada com a palavra em
latim “religare,” que significa “re-ligar,” “reconectar”.
O objetivo da religião
é colocar-nos em uma comunidade que apoia o compromisso com tais
valores, que promove o espírito de comunidade e de equipe e que nos
ajuda a pôr em prática esse espírito no dia a dia.
Pergunta Blog:
Então, eu presumo que você é da opinião que os treinadores
lendários que são influenciados pela religião e pela filosofia,
tais como Vince Lombardi, John Wooden e Phil Jackson, possuíam uma
maior habilidade de unir e fazer as pessoas lutarem por objetivos
comuns.
Harold Kushner:
Ah, com certeza. Eu acho que a era dos grandes homens que só dizem
“siga-me,” como os Napoleões e os Césares da vida, ficaram para
trás.
O que faz um líder ser
eficiente e bem sucedido na área do esporte, negócios e política,
é a habilidade de criar comunidades onde as pessoas estão dispostas
a juntar suas forças com as dos outros em prol do grupo.
O Phil Jackson que você
mencionou falava sobre os cinco jogadores do Chicago Bulls como se
fossem os dedos de uma mão. Quando eles estão todos em sintonia,
eles formam um punho compacto.
Eu acho que é isso que
um verdadeiro líder deve propagar nos dias de hoje.
Pergunta Blog:
A vida dá muitas voltas, e em várias ocasiões nos pega
completamente de surpresa, e o imprevisível às vezes acontece. Como
podemos filosoficamente e teologicamente nos preparar para tais
acontecimentos inesperados que possam vir a acontecer? E como é que
podemos viver em um mundo sem receios e sem medo?
Harold Kushner:
Essa é uma pergunta muito boa. Com tudo o que vemos, você tem que
estar apreensivo sobre o futuro. Em um programa de TV em que eu
estava participando alguns anos atrás, no Canadá, alguém me disse:
“Eu estou com medo, porque não consigo enxergar o futuro”.
E eu disse-lhe que não
deveria saber sobre o futuro.
É como assistir a um
filme do qual você já sabe o final. A religião não oferece
garantias a ninguém de que as coisas vão correr bem e também não
promete que se você for uma boa pessoa, as coisas vão correr bem.
O que a religião diz é
o seguinte: “Sim, é claro que estamos apreensivos sobre o futuro
neste mundo muito confuso e incerto”.
A promessa da religião
não é que as pessoas boas vão ter um final feliz.
A promessa da religião
é que, aconteça o que acontecer, você terá os recursos para lidar
com qualquer situação.
Essa é a mensagem que
eu passo regularmente à minha congregação. É essa a mensagem que
eu gostaria de estender aos seus leitores.
Não sabemos se coisas
boas irão nos acontecer no próximo ano, mas temos plena confiança
de que, para o que mais tememos, Deus nos proporcionará os poderes e
a força que nunca imaginaríamos ter para ser capazes de lidar com
nossas adversidades, por maiores que elas sejam.
Leia mais em :
http://blogs.estadao.com.br/ricardo-guerra/quando-coisas-ruins-acontecem-as-pessoas-boas/
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