08 abril 2014

Boa Morte


Pensei em correr, mas não dava mais tempo.

Só pude parar e ficar olhando, estarrecido, a onda enorme que se aproximava.

Em segundos uma imensa massa de água desabou na praia e sobre mim. Era estranho, mas não me senti jogado de um lado a outro como era de se imaginar. Eu parecia estar ali, ainda imóvel, em pé.

Mas o ruído da água em meus ouvidos era ensurdecedor.

Até que senti um tranco, como uma rajada de vento forte e curta, que acabou com o ruído, mas pareceu me jogar longe, embora eu ainda me sentia em pé e estático.

Sons, imagens e movimentos pareciam dançar em minha mente, diante de meus olhos. Passei a reviver em ritmo acelerado, momentos da minha vida e até de vidas pregressas, que eu estranhamente tinha a certeza de ser eu.

Sensações de alegria, tristeza, raiva assaltavam meu peito, exatamente da mesma forma que ocorreram na realidade.

De repente tudo sumiu. Eu estava lá, em pé olhando o mar. O sol ainda brilhava forte, a praia tranquila, varrida pelas águas.

A meu lado, um homem alto, de roupas brancas me puxou pela mão e me conduziu a minha nova casa.

Horas depois vim a saber que centenas de ilhéus tinham, como eu, sucumbido a força da natureza.

Muitos ainda a vagar pela ilha, desesperados por não mais serem reconhecidos pelos que sobreviveram ou por se darem conta que não mais pertenciam ao planeta.

Dei Graças a Deus pelo privilégio de ter desencarnado de forma tranquila e de poder ter a lucidez de rever e recontar meus passos.

Dias depois compreendi que o privilégio da boa morte se deu porque eu sempre pratiquei a caridade em minha existência e mantive longe de mim a maledicência e a discórdia.

Orai e vigiai.



Kiriati.


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Autor: Kiriati
Psicografado por: Cleber P. Campos
Referência: Carma coletivo





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