Querido Pai, estou
voltando...
Depois de gastar o que
lhe pedi.
Venho de terras
longínquas onde corri dissolutamente.
Por acreditar que os
rios fossem eternos e os homens sábios, ofereci minhas águas para
atender a todas as satisfações possíveis, na ilusão de ser um
fator condicionante para o desenvolvimento econômico.
Mas, presenciei com dor
e espanto, a derrubada das minhas matas ciliares.
Em troca, recebi a
monotonia das forrageiras e o pisoteio do super pastoreio.
Queimaram a fertilidade
dos solos que me margearam.
Com tristeza, ladeado
de pragas e pestes, tive de contemplar a desfiguração da paisagem
pela erosão.
E na ânsia de dormir
para esquecer a realidade só me restou a enganosa opção pelos
agrotóxicos.
Hoje estou viciado em
defensivos e pesticidas.
Ah! Bondoso pai...
Preciso esquecer a
minha insatisfação.
Garimparam a minha
autoestima.
Também queria lhe
contar que absorvi desesperado o choro das cidades sobre as minhas
corredeiras...
Densas lágrimas
nascidas dos esgotos domésticos e industriais.
Prantos sem porvir.
Águas inquietas.
Mas, agora percebi a
grande sede e padeço necessidades...
E com minhas últimas
quedas reuni uma pequena sobra de energia, atributo dos rios cujas
águas despencam das pedras, para lhe suplicar: quero regressar,
mesmo não sendo digno de ser chamado seu filho e desfrutar da sua
oceânica compaixão...
Tenho saudades dos
jardins de corais da nossa casa, a morada do arco-íris.
E então, em seu colo
profundo, descansarei as águas feridas no sedoso tapete das suas
areias para desfrutar das marés vivificantes.
Pai, repito, estou
voltando, em plena mansidão, como convém a todo rio que se aproxima
do mar...
Prepare a minha festa.
Já posso imaginar a sua voz dizendo:
“Trazei depressa a
melhor roupa, adornada de estrelas-do-mar. Ponde-lhe o anel de
pérolas e a carícia do vento, meu filho pródigo retornou...”
No entanto, se algum
dia, a consciência renascer nos locais por onde passei, juro que lhe
suplicarei mais uma chance....
E assim, minhas águas
evaporadas pelo calor do Sol formarão nuvens e retornarão ao leito
original, pelo milagre das chuvas.
E novamente, serei um
rio, parte de todos os seres vivos.
Por enquanto, peço-lhe
perdão por lavar a roupa suja em casa.
(Lélio Costa e Silva)
* * *
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