12 novembro 2015

Vale de lama



Excelente artigo da jornalista Míriam Leitão, cujo desabafo reflete a nossa indignação perante o desastre de Mariana – MG e o silêncio
da maioria da mídia.

Um desastre com consequências não só no plano físico, mas com certeza também no plano espiritual...

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Vale de lama


A Samarco tem dono.

É a Vale e a BHP.

Cada uma tem metade do capital.

O presidente da empresa australiana, Andrew Mackenzie, falou com a imprensa desde o primeiro momento e embarcou para o Brasil.

O presidente da Vale, o mineiro Murilo Ferreira, soltou nota.

A presidente Dilma não foi ao local.

A tragédia se propaga por dois estados e deixa vítimas em famílias que não enterrarão seus mortos.

Não é inesperado o que aconteceu em Mariana.

Primeiro, pelos alertas dados pelo Ministério Público de Minas Gerais e por especialistas; segundo, porque a mineração é uma atividade altamente agressiva e de elevado risco ambiental.

A Vale está fazendo furos e deixando rejeitos em Minas Gerais há 70 anos.

Não pode, diante de um desastre dessa proporção, soltar uma nota lacônica como se não fosse sua obrigação agir imediatamente.

A atividade mineradora no mundo inteiro tem uma série de procedimentos já consolidados ao longo do tempo para prevenir e mitigar desastre.

Neste caso, se vê, a cada novo passo da investigação, que as empresas foram displicentes na prevenção e não demonstraram ter um plano de ação preparado para o caso de desastre.

Prevenção e mitigação de danos é o mínimo que se pode exigir de empresa que lida com atividade de alto risco.

O gerenciamento corporativo de desastres tem um protocolo e ele começa com a empresa não se escondendo.

Ela precisa falar, e quem faz isso é o presidente da companhia.

A Samarco foi ontem proibida por Minas Gerais de exercer atividade no estado.

Mas nada recai sobre as suas controladoras.

Nenhuma cobrança é feita à Vale, que é empresa brasileira, está aqui no país e tinha que saber o que acontece com a sua controlada.

A reação corporativa é absolutamente insuficiente.

A Vale não pode ficar dizendo apenas que está prestando todo o apoio à Samarco e às autoridades.

O que a empresa fará para proteger e indenizar as famílias das vítimas?

Que plano tem para conter os efeitos do desastre?

Como fará a descontaminação da área?

Que desdobramentos os seus estrategistas em riscos estão vendo para as consequências como a contaminação das águas em Minas Gerais e no Espírito Santo?

Já instalou uma sala de controle das informações sobre o desastre, no estilo situation room?

É inacreditável que uma tragédia que aconteceu na quinta-feira tenha até agora de reação da empresa controladora apenas uma nota divulgada na sexta, um sobrevoo do CEO ao local e conversas entre executivos da Vale e da Samarco.

O comportamento público diante dos eventos também é insuficiente.

O nome de um ministério é de “Minas" e Energia, o nome do outro é de Meio Ambiente.

Não consta que estiveram em Mariana.

O que o governo deveria ter feito é ir para lá a presidente, os ministros de áreas envolvidas, as agências reguladoras e, em seguida, divulgar um plano de ação.

É inaceitável esse grau de omissão.

No governo está um jogo de empurra.

Quando se procura o MME, aponta-se para o Departamento Nacional de Produção Mineral.

O desastre ambiental é enorme, mas o Ministério do Meio Ambiente não fala.

Águas estão sendo contaminadas e em Governador Valadares-MG e Colatina-ES o risco é de problemas de abastecimento.

O que diz a Agência Nacional de Águas?

O que farão as empresas a este respeito?

Há claramente falha regulatória e de fiscalização no rompimento das duas barragens que vitimou um número ainda indefinido de trabalhadores e moradores do distrito de Bento Rodrigues, deixou centenas de pessoas desabrigadas e pode afetar o abastecimento de pelo menos meio milhão de pessoas.

As informações até agora são de que não foi feito o plano de contingência recomendado, sirenes não foram instaladas para a eventualidade de um desastre e as famílias se queixaram de que até domingo não haviam sequer sido recebidas pela Samarco.

A empresa aumentou a produção no ano passado e o governo estadual recentemente baixou uma lei para apressar as liberações ambientais da mineração, os alertas de professores da UFMG e de procuradores federais e estaduais foram ignorados.

O caso é grave demais para ficarem todos os responsáveis apenas olhando os socorristas se afundando na lama criada pelo descaso e a incompetência.

(por Míriam Leitão – jornalista, em 10/11/2015 - 08:30 )


Fonte: 
Img: Site UOL


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