Excelente artigo da jornalista Míriam Leitão, cujo desabafo reflete a
nossa indignação perante o desastre de Mariana – MG e o silêncio
da maioria da mídia.
Um desastre com consequências não só no plano físico, mas
com certeza também no plano espiritual...
* * *
Vale de lama
A Samarco tem dono.
É a Vale e a BHP.
Cada uma tem metade do capital.
O presidente da empresa australiana, Andrew Mackenzie, falou
com a imprensa desde o primeiro momento e embarcou para o Brasil.
O presidente da Vale, o mineiro Murilo Ferreira, soltou nota.
A presidente Dilma não foi ao local.
A tragédia se propaga por dois estados e deixa vítimas em
famílias que não enterrarão seus mortos.
Não é inesperado o que aconteceu em Mariana.
Primeiro, pelos alertas dados pelo Ministério Público de
Minas Gerais e por especialistas; segundo, porque a mineração é uma atividade
altamente agressiva e de elevado risco ambiental.
A Vale está fazendo furos e deixando rejeitos em Minas
Gerais há 70 anos.
Não pode, diante de um desastre dessa proporção, soltar uma
nota lacônica como se não fosse sua obrigação agir imediatamente.
A atividade mineradora no mundo inteiro tem uma série de
procedimentos já consolidados ao longo do tempo para prevenir e mitigar
desastre.
Neste caso, se vê, a cada novo passo da investigação, que as
empresas foram displicentes na prevenção e não demonstraram ter um plano de
ação preparado para o caso de desastre.
Prevenção e mitigação de danos é o mínimo que se pode exigir
de empresa que lida com atividade de alto risco.
O gerenciamento corporativo de desastres tem um protocolo e
ele começa com a empresa não se escondendo.
Ela precisa falar, e quem faz isso é o presidente da
companhia.
A Samarco foi ontem proibida por Minas Gerais de exercer
atividade no estado.
Mas nada recai sobre as suas controladoras.
Nenhuma cobrança é feita à Vale, que é empresa brasileira,
está aqui no país e tinha que saber o que acontece com a sua controlada.
A reação corporativa é absolutamente insuficiente.
A Vale não pode ficar dizendo apenas que está prestando todo
o apoio à Samarco e às autoridades.
O que a empresa fará para proteger e indenizar as famílias
das vítimas?
Que plano tem para conter os efeitos do desastre?
Como fará a descontaminação da área?
Que desdobramentos os seus estrategistas em riscos estão
vendo para as consequências como a contaminação das águas em Minas Gerais e no
Espírito Santo?
Já instalou uma sala de controle das informações sobre o
desastre, no estilo situation room?
É inacreditável que uma tragédia que aconteceu na
quinta-feira tenha até agora de reação da empresa controladora apenas uma nota
divulgada na sexta, um sobrevoo do CEO ao local e conversas entre executivos da
Vale e da Samarco.
O comportamento público diante dos eventos também é
insuficiente.
O nome de um ministério é de “Minas" e Energia, o nome
do outro é de Meio Ambiente.
Não consta que estiveram em Mariana.
O que o governo deveria ter feito é ir para lá a presidente,
os ministros de áreas envolvidas, as agências reguladoras e, em seguida,
divulgar um plano de ação.
É inaceitável esse grau de omissão.
No governo está um jogo de empurra.
Quando se procura o MME, aponta-se para o Departamento
Nacional de Produção Mineral.
O desastre ambiental é enorme, mas o Ministério do Meio
Ambiente não fala.
Águas estão sendo contaminadas e em Governador Valadares-MG
e Colatina-ES o risco é de problemas de abastecimento.
O que diz a Agência Nacional de Águas?
O que farão as empresas a este respeito?
Há claramente falha regulatória e de fiscalização no
rompimento das duas barragens que vitimou um número ainda indefinido de
trabalhadores e moradores do distrito de Bento Rodrigues, deixou centenas de
pessoas desabrigadas e pode afetar o abastecimento de pelo menos meio milhão de
pessoas.
As informações até agora são de que não foi feito o plano de
contingência recomendado, sirenes não foram instaladas para a eventualidade de
um desastre e as famílias se queixaram de que até domingo não haviam sequer
sido recebidas pela Samarco.
A empresa aumentou a produção no ano passado e o governo
estadual recentemente baixou uma lei para apressar as liberações ambientais da
mineração, os alertas de professores da UFMG e de procuradores federais e
estaduais foram ignorados.
O caso é grave demais para ficarem todos os responsáveis
apenas olhando os socorristas se afundando na lama criada pelo descaso e a
incompetência.
(por Míriam Leitão – jornalista, em 10/11/2015 - 08:30 )
Fonte:
Img: Site UOL
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