Assim como o sono não atinge a vida central do nosso Eu, do
mesmo modo a morte não afeta a nossa íntima essência, que dá vida aos
invólucros externos.
A alma não é atingida pelo processo da morte.
Essa hora da grande metamorfose está, geralmente, envolta no
véu duma suave semiconsciência crepuscular…
Tudo nos parece distante, cada vez mais distante… tudo vago,
longínquo, aéreo… recuam as paredes do quarto…
Perdem-se no espaço os derradeiros sons… entorpecem as
extremidades do corpo…
A semiconsciência centraliza-se no coração, no cérebro,
últimos redutos da vida material…
Por fim, o corpo repousa como um invólucro vazio do inseto
deixado pela vida…
E, por algum tempo, a alma parece imersa num como sono
profundo… desce sobre ela a noite duma paz imensa, misteriosa, benéfica…
Quanto tempo durará essa noite de semiconsciência? Ninguém o
sabe.
Para uns é longa, para outros breve. Depende do modo de vida
que alguém levou na terra; depende do conteúdo e da qualidade das nossas
experiências atuais.
Para uma alma firmemente presa ao corpo físico, à matéria
dos sentidos e do mundo, causa essa separação um choque violento, uma espécie
de hemorragia interna, de maneira que, por largo tempo, ela não consegue recuperar
equilíbrio e suficiente consciência para se orientar e saber o que aconteceu e
onde está.
Para outras almas, já devidamente habituadas ao desapego
voluntário da matéria, é breve esse estado de inconsciência parcial, porque não
houve choque violento; como São Paulo, podiam dizer em plena vida terrestre “eu
morro todos os dias, e é por isto que vivo — mas não sou eu que vivo, o Cristo
é que vive em mim”.
Quando, então, a alma volta a recuperar consciência de si,
não sabe ainda que se acha fora do corpo material.
O longo hábito de sentir e pensar através da rede dos nervos
orgânicos mantém a alma, por algum tempo, na ilusão de sentir e pensar ainda
através desses mesmos veículos, já inertes.
Mesmo quando contempla o seu corpo imóvel, não se convence
desde logo que esse invólucro não seja mais instrumento dela.
O homem espiritual, porém, habituado a não se identificar
com o seu corpo, durante a vida terrestre, rapidamente se habitua ao novo
ambiente e se sente perfeitamente “em casa”.
E logo essa alma, levada por um impulso interno, vai em
busca de outros seres que tenham afinidade espiritual com ela, porque vê nesses
seres seus irmãos, suas irmãs, sua família espiritual.
Cessaram os liames do
parentesco material; começam a agir as forças da afinidade espiritual, segundo
a eterna lei cósmica “semelhante atrai semelhante”.
E formam-se novos mundos e novas humanidades.
Quando, pois, vês morrer um dos teus entes queridos, leitor,
não te entristeças, não chores desconsolado, não fales em desastre ou catástrofe,
não te cubras de luto.
Fica em silêncio por algum tempo, abisma-te em ti mesmo,
acompanhando com a alma a metamorfose da tua “borboleta”.
(Huberto Rohden)
(Do livro “O Caminho da Felicidade” – capítulo “NÃO CREIAS
NUMA MORTE REAL”)
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