Eu acredito em Deus.
Acredito pra caramba!
Meus pais eram ateus convictos, do tipo que acha ingênuo
quem crê no que a lógica não explica.
Mesmo assim aos 5 anos, por praticidade, me enfiaram numa
escola de freiras onde vivi meus primeiros conflitos, digamos, existenciais.
Falava-se em pecado o tempo todo e eu passei a andar
obcecada pelo chão tentando não matar formigas, já que matar era pecado e eu
não podia imaginar nada tão mortífero quanto meu próprio pé, ou tão matável
quando aquelas criaturas em quem até então eu só havia pensado para esmagá-las
se me picassem.
Além disso o mundo ia fazer primeira comunhão e lá em casa
ninguém falava no assunto.
Quando perguntei a minha mão se Deus existia, ela disse:
"É igual papai-noel, existe pra quem acredita nele".
Ela sabia que eu já não acreditava.
Por fim, não deu certo a experiência com as freiras, me trocaram
de escola e por uns bons anos fiquei livre daquelas questões.
Aí minha mãe morreu, meu pai pirou e eu fui parar num
pensionato pra filhos de missionários americanos e luteranos.
Ali, rezava-se pra acordar, pra dormir, pra comer e pra
louvar ao final de cada dia com cânticos espirituais.
As coisas eram certas ou muito erradas e não havia
meio-termo.
O bom senso não servia pra nada e o que valia era a palavra
de Deus segundo a interpretação que aquela gente fazia da Bíblia.
Bom, eu vinha de uma casa onde as pessoas filosofavam a vida
e onde o pensamento era a maior diversão, então demorou um pouco pra eu
conseguir aceitar o maniqueísmo que ditava as regras de minha nova moradia.
Mas o mar não estava pra peixe, e aquela gente religiosa
tinha o coração puro e bom.
Eles tinham amor pra dar e eu uma cratera de carências pra
preencher.
Nessa união justa, Deus entrou na minha vida pela primeira
vez.
Entrou, claro, pela vala do amor e me encheu de conforto.
A cabeça viciada na lógica pensava: "Se eu nunca
tivesse visto a cor azul não saberia imaginá-la, então se Deus não existisse, a
imaginação do homem não o teria concebido."
Assim, li a Bíblia toda, o velho e o novo, e de resto
sintonizei no amor divino e deixei rolar.
A primeira vez que me aconteceu uma experiência
transcendental eu tinha 14 anos.
Estava deitada no chão, à toa, e sem mais nem menos meu
espírito se descolou do meu corpo.
Não, eu não tinha fumado nada e também não estava em estado
elevado de consciência, rezando ou coisa assim.
Estava ali de bobeira mesmo,
quando uma sensação de sublime leveza me arrebatou pra fora do corpo deitado,
que meu outro ser, suspenso, passou a observar.
Eu ia subindo acompanhada por seres cuja forma eu não via, mas
sentia, e o chão, o campo, o quarteirão, minha cidade foram se mostrando cada
vez mais distantes e sem cor.
Tudo parecia preto e branco.
Então o mundo com meu corpo ali era cinza e sem graça, mas
dentro do meu ser etéreo e cada vez mais distante havia uma festa de soberana
harmonia.
Eu era dona de uma paz magnífica!
Não sei dizer por quanto tempo meu espírito ficou em êxtase,
pode ter durado 30 minutos ou uma hora, mas guardo até hoje a sensação e acho
que por causa dela não tenho medo da morte.
Naquela época fiquei uns três anos envolvida com coisas de
Deus, e aí, não sei bem por que, larguei mão por um tempo.
Mas não totalmente.
Sempre viajei muito e em cada cultura buscava os locais e
templos sagrados. Na maioria, independentemente da corrente religiosa, senti a
presença de Deus.
Às vezes, quando era muito forte, passava horas tentando
sintonizar a forma de louvor local, para então me abastecer de luz.
Aliás, Ele não liga, sabe, se a gente quer chamá-lo de Buda,
Iemanjá, Maomé ou Jesus.
Ele não liga nem se a gente deixar de chamá-lo por um tempo.
Ele é dono do infinito e não tem pressa.
Mas então retomando, há 15 anos voltei a ter uma prática
religiosa diária e pessoal, hoje devotada à face feminina de Deus, sendo Nossa
Senhora o ponto alto de meu altar.
De lá pra cá os fenômenos foram muitos.
Não vou descrevê-los porque você vai achar que eu estou doidinha.
Mas o fato é que na minha vida essas coisas acontecem.
Se não ocorrer o mesmo com você, amigo, não quer dizer que
eu tenha um botão a menos, apenas que me abri para uma experiência a mais.
E tem mais uma coisa, que é o seguinte: eu acredito
que o Senna, nosso ídolo, viu mesmo Deus naquela curva em Mônaco (*). Ele
estava num estado especial de concentração e aconteceu. Não tinha por que se
expor ao ridículo, dando a cara a bater para um bando de céticos, se não
houvesse de fato visto o que viu. Você não viu, mas ele viu, oras.
Copérnico afirmou que a Terra era redonda e girava em torno
do Sol.
Foi chamado de maluco, hoje sabemos que não era.
O Dhomini diz que ganhou o Big Brother porque estava com seu
ponto firmado na oração de otimismo que recebeu de seu mestre.
Tereza D´Ávilla em êxtase levitava contra a própria vontade,
tamanha a força de seu louvor, e na Índia, onde não se questiona o sagrado,
essas coisas são corriqueiras.
Elas acontecem.
Acontecem na pausa.
Acontecem na hora do silêncio, entre uma respiração e outra.
Acontecem simplesmente.
Talvez estejam pra acontecer pra você.
Sshhhhh...
(Maitê Proença – atriz)
(Texto publicado na Revista Época, número 286 - 10 de
novembro de 2003 – Ed. Globo)
* * *
(*) Aírton Sena declarou numa entrevista para a revista Playboy
(em 1990) que havia experimentado uma experiência fora do corpo no Japão,
dentro do carro, momentos antes do início de uma prova. Nessa experiência
rápida, ele narrou que viu Jesus. Daí em diante ele assumiu a condição
ostensiva de cristão convicto.
* * *
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