"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

15 abril 2012

Sou a tua casa


Sou a tua casa, a tua rua, a tua segurança, o teu destino.

Sou a maçã que comes e a roupa que vestes.

Sou o degrau por onde sobes, o copo por onde bebes, o teu riso e o teu choro, o teu frio e a tua lareira.

O pedinte que ajudas, o asilo que te quer acolher.

Sou o teu pensamento, a tua recordação, a tua vontade.

E também o artesão que para ti trabalha, o medo que te perturba e o cão que te guia quando entras pela noite.

Sou o sítio onde descansas, a árvore que te dá sombra, o vento que contigo se comove.

Sou o teu corpo, o teu espírito, o teu brilho, a tua dúvida.

Sou a tua mãe, o teu amante, o marfim dos teus dentes.

E sou, na luz do outono, o teu olhar.

Sou a tua parteira e a tua lápide.

Os teus vinte anos. O coração sepultado em ti.

Sou as tuas asas, a tua liberdade, e tudo o que se move no teu interior.

Sou a tua ressaca, o teu transtorno, o relógio que mede o tempo que te resta.

Sou a tua memória, a memória da tua memória, o teu orgulho, a fecundação das tuas entranhas, a absolvição dos teus pecados.

O teu amuleto e a tua humildade.

Sou a tua covardia, a tua coragem, a força com que amas.

Sou os teus óculos e a tua leitura.

A tua música preferida, a tua cor preferida, o teu poema preferido.

Sou o que significas para mim, a ternura que desagua nos teus dedos, o tamanho das tuas pupilas antes e depois de fazer amor.

Sou o que sou em ti e o que não podes ser em mim. Sou uma só coisa. E duas coisas diferentes.


(Joaquim Pessoa, poeta português, in “Ano Comum”)






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