Em um tempo
relativamente pequeno, o conceito de criança passou por muitas
transformações.
Cortezzi Reis,
baseando-se na obra do historiador francês Phillippe Ariès,
descreveu como o olhar sobre a criança vem transformando-se dentro
da sociedade, desde a sociedade medieval, até os dias atuais. [...]
Na sociedade medieval,
a criança era vista como uma “coisinha engraçadinha”, porém,
sua passagem pela família se dava de maneira muito breve e
insignificante.
Contudo, um sentimento
superficial da criança - a que chamei "paparicação" era
reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela
ainda era uma coisinha engraçadinha.
As pessoas se divertiam
com a criança pequena como com um animalzinho, um macaquinho
impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns
podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso,
pois uma outra criança logo a substituiria. A criança não chegava
a sair de uma espécie de anonimato. (ARIÈS, 1985)
A morte de uma criança
na época era algo sem importância, pois as famílias tinham muitos
filhos.
A partir dos 5 ou 7
anos, a criança era como que um adulto em miniatura, sendo tratada
como tal.
Era comum a criança
morar em outra casa, com outra família, pois não se dava valor aos
laços afetivos.
Observa-se, nessa época
e até o fim do séc. XVII, o infanticídio tolerado, mesmo tendo
sido um crime severamente punido.
Era praticado em segredo e como
forma de acidente: os pais colocavam a criança para dormir em sua
cama e, durante a noite, a criança era asfixiada.
Foi então que, a
partir do séc. XVIII essa prática foi proibida terminantemente
pelos bispos, aparecendo assim uma consideração pela vida da
criança.
Do século XV ao XVII,
o brinquedo infantil e os jogos adultos mesclavam-se, sendo difícil
distinguir uns dos outros.
Parece, portanto, que
no início do século XVII não existia uma separação tão
rigorosa como hoje entre as brincadeiras e os jogos reservados às
crianças e as brincadeiras e os jogos dos adultos...
Conhecemos bem suas
brincadeiras, pois, a partir do século XV os artistas multiplicaram
as representações de criancinhas brincando.
Reconhecemos nessas
pinturas o cavalo de pau, o cata-vento, o pássaro preso por um
cordão... e, às vezes, embora mais raramente, bonecas.
Ariès coloca que esses
brinquedos eram reservados as crianças, mas que ao mesmo tempo,
estudos sugeriam que antes de pertencer aos pequenos, havia
pertencido aos adultos, pois haviam nascido da necessidade das
crianças de imitar as atitudes dos adultos.
Em 1600 as brincadeiras
eram feitas por adultos em cultos religiosos, manifestações
coletivas da sociedade. Após um tempo ficaram reservadas às
crianças,
O problema da boneca e
dos brinquedos-miniaturas leva-nos a hipóteses semelhantes.
Os
historiadores dos brinquedos e os colecionadores de bonecas e de
brinquedos-miniaturas sempre tiveram muita dificuldade em distinguir
a boneca, brinquedo de criança, de todas as outras imagens e
estatuetas que as escavações nos restituem em quantidades
semi-industriais e que quase sempre tinham uma significação
religiosa: objetos de culto doméstico ou funerário, ex- votos dos
devotos de uma peregrinação etc.
Ou seja, não somente
as crianças brincavam com bonecas, ou réplicas de brinquedos dos
adultos, pois as bonecas, por exemplo, eram objetos de uso de bruxos
e feiticeiros da época e eram usadas em presépios.
Havia o gosto pelos
bibelôs (uma sobrevivência burguesa da arte popular dos presépios
italianos ou das casas alemãs, por exemplo), os chamados fantoches
que divertiram e dominaram Paris inteira, e de tal forma que não se
podia ir a nenhuma casa sem encontrar alguns, pendurados nas lareiras,
o teatro de marionetes, uma outra manifestação da mesma arte
popular da ilusão em miniatura.
Do século XVI até o
início do XIX, a boneca serviu às mulheres elegantes como manequim
de moda.
É possível que exista
uma relação entre a especialização infantil dos brinquedos e a
importância da primeira infância...
A infância tornava-se
o repositório dos costumes abandonados pelos adultos.
Por volta de 1600, a
especialização das brincadeiras atingia apenas a primeira infância;
depois dos três ou quatro anos, ela se atenuava e desaparecia. A
partir dessa idade a criança jogava os mesmos jogos e participava
das mesmas brincadeiras dos adultos, quer entre crianças, quer
misturada aos adultos.
Tanto as meninas,
quanto os meninos brincavam de boneca.
Também não havia a
discriminação moderna entre meninas e meninos: ambos os sexos
usavam o mesmo traje, o mesmo vestido.
Somente a partir do
séc. XVII é que a noção de inocência infantil foi imposta,
gerando assim, uma regularização com relação ao que era praticado
contra as crianças. Estas foram, então, comparadas a anjos.
No século XVII, com o
início da escola, essa funcionava como enclausuramento, separando as
crianças dos adultos, porém, atribuindo maior importância à
Educação e despertando a preocupação psicológica e moral.
Ao mesmo tempo a
família tornou-se um lugar de afeição necessária entre pais e
filhos e as crianças saíram do anonimato.
A escola substituiu a
aprendizagem doméstica como meio de educação. Ao iniciar o
processo de escolarização, a criança deixou de crescer naquele
sistema, foi separada dos adultos e entrou num processo de
enclausuramento – como os loucos, pobres e prostitutas. (CORTEZZI
REIS, 1995).
Nessa época, eram
comuns os castigos corporais, a delação e vigilância constantes.
Esse autoritarismo e
severidade geravam problemas psíquicos nas crianças, numa tentativa
falha de se conquistar a boa educação dos indivíduos.
Também surge a
preocupação com a educação moral das crianças e alguns jogos,
antes permitidos, passam a ser considerados inadequados, como os
jogos de azar.
A indiferença moral da
maioria e a intolerância de uma elite educadora coexistiram durante
muito tempo.
Ao longo dos séculos
XVII e XVIII, porém, estabeleceu-se um compromisso que anunciava a
atitude moderna com relação aos jogos, fundamentalmente diferente
da atitude antiga. Esse compromisso nos interessa aqui porque é
também um testemunho de um novo sentimento da infância: uma
preocupação, antes desconhecida, de preservar sua moralidade e
também de educá-la, proibindo-lhe os jogos então classificados
como maus, e recomendando-lhe os jogos então reconhecidos como bons.
(ARIÈS, 1985)
Já no século XVIII, a
Psicopedagogia trouxe grandes contribuições ao desenvolvimento do
corpo e espírito da criança. A preocupação com a higiene e a
saúde física passaram a existir.
Surgiu também a figura
do médico da família e a mãe passou a desempenhar papel
fundamental na vida da criança, a o ser incentivada a amamentar,
fato que antes era relegado as amas de leite, mas ainda havia um
afrouxamento dos laços afetivos.
As relações entre
pais e filhos possuíam lacunas a serem preenchidas. O pai (o
patriarca) era dono do poder e saber e, em segundo plano, colocava o
afeto.
Hoje a criança assume
outro papel na sociedade.[...]
A família deixou de
ter como núcleo pai, mãe e filhos, podendo ser composta por avós,
tios e sobrinhos, somente mãe e filhos, pai e filhos, padrastos,
madrastas...
Há uma preocupação
muito maior com diversos aspectos da infância.
Nessa nova sociedade o
pai perdeu a posição principal dentro da estrutura familiar e as
crianças assumiram esse papel tornando-se indispensáveis à vida
cotidiana.
A falta de hierarquia e
da autoridade saudável dos pais produz crianças que não suportam
frustrações e são incapazes de pensar ou buscar soluções
criativas para suas dificuldades.
A preocupação
excessiva com o prazer das crianças colocou os pais em segundo plano
e os adultos passaram a projetar seus desejos e frustrações em seus
filhos.
A vida moderna, os
avanços tecnológicos das últimas décadas, a profissionalização
da mulher, o número reduzido de filhos por família, têm levado a
um aumento do individualismo tanto no adulto, como na criança. Como
parte dos valores modernos, o incentivo à preservação da
individualidade, tem conduzido esse culto ao individualismo, formando
crianças mais narcisistas. (CORTEZZI REIS, 1995).
Ao mesmo tempo,
milhares de brinquedos invadem as lojas e as casas das famílias, com
especificidades para todas as idades, com diferentes objetivos
pedagógicos, alguns preocupados com o desenvolvimento infantil,
outros nem tanto.
A tecnologia ampliou as
possibilidades das crianças com celulares, jogos, computadores,
vídeo games, brinquedos eletrônicos, resultados de uma sociedade
capitalista que promove o consumo exagerado como forma de obtenção
de lucro para as empresas.
As crianças são
vítimas de propagandas que induzem o tempo todo ao desejo de ter,
transformando esse desejo numa necessidade, que não é real.
Os pais, muitas vezes,
querendo satisfazer seus próprios desejo e a falta de tempo que têm
para dedicar as brincadeiras aos seus filhos, compram além do que
deveriam dar aos filhos, ou até mesmo além das suas possibilidades
financeiras.
Atualmente, muito se
discute a importância da afeição e que toda criança precisa de
limites, regras, deveres, mas muitos pais fazem tudo o que seus
filhos pedem ou, com medo de serem autoritários demais (a exemplo de
seus próprios pais), deixam os filhos a bel-prazer.
Isso contribui para a
formação de jovens inconseqüentes e despreparados para o exercício
da vida futura.
Tornam-se
individualistas, indisciplinados, narcisistas e inseguros pelo meio
social que vivenciam. Possuem pouco senso de responsabilidade,
recebem poucos valores, quase não têm deveres, mas muitos direitos,
que também não têm sido respeitados.
A violência contra a
criança cresce e inúmeros casos de homicídio, lesões corporais
provocados até pelos próprios pais aparecem em jornais e revistas
pelo mundo todo.
Mesmo com a grande
quantidade de estatutos e leis que protegem a criança e o
adolescente, temos crianças em situação de risco e
vulnerabilidade, privadas de afeto, educação, saúde e moradia
dignas.
As crianças de hoje
são mais valorizadas?
São espertas,
questionadoras e constantemente estão passando por transformações.
Contudo, ainda sofrem a
violência física e afetiva.
Como a própria
Cortezzi destaca: “Falta ainda, uma delicadeza no trato com a
criança.”
(Aline Caetano
Begossi)
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Fonte texto:
http://atividadesjogosebrincadeirascristas.blogspot.com.br/2012/10/como-o-conceito-de-crianca-se.html
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