"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

29 abril 2014

Macaco?! Uma banana! Não somos macacos, não!



Macaco, uma banana!!!

Daniel Alves é um excelente jogador desse tempo. O Barcelona é um grande time de futebol, e o seria em vários tempos.

O preconceito sempre existiu, enquanto o racismo, do ponto de vista histórico, é mais recente.

Nesse tempo atual, Daniel, preconceito, racismo, futebol e Barcelona se encontraram.

E não foi a primeira vez.

A atitude do jogador brasileiro , ao comer uma banana que lhe havia sido atirada com objetivos ofensivos foi pensadamente espontânea.

Uma resposta dada em segundos para uma agressão que dura séculos.

Agressão essa, que se manifesta em objetos atirados contra pessoas, em abordagens policiais injustas e com desfechos dos mais diversos, em esforços para manter pessoas em subempregos, sem escolas, sem saúde, sem teto, sem terra, sem cidadania; mas que se manifesta, mas comumente, em forma de impropérios, xingamentos racistas feitos de uma distância segura, mas que cumprem sua função de diminuir quem já está oprimido por um esquema racialista planejado.

Proeminentes colegas de profissão de Daniel, jornalistas, apresentadores de programas, políticos entre outros, alguns bem intencionados, outros não, se apressaram em lançar a campanha: “somos todos macacos”.

Essa é uma campanha a qual eu não poderia aderir por vários motivos, mas o simples deles é: Não sou macaco. Sou uma pessoa.

Um torcedor fascista, frustrado e criminoso do outro lado do mundo não tem condições de me convencer do contrário.

Preconceito e racismo se combatem com Políticas de inclusão, leis punitivas realmente duras e de fácil aplicação, e com muita educação, em todos os aspectos que esse conceito tem. Campanhas tontas e algo cínicas só atrapalham o combate a esse complicado problema humano.

Não sei de quem partiu essa ideia idiota, de animalizar a todos baseada em atos de psicopatas em estádios de futebol (o que tem muito, hoje em dia). Mas o fato é que ela servirá aos mais diversos interesses, nenhum deles bom.

Vejo pessoas que têm empresas e/ou programas de televisão que poderiam empregar ao menos um negro em um cargo importante aderirem à campanha. Vejo jornalistas que combatem duramente o programa de cotas ou qualquer ação afirmativa aderirem também.

E por quê? Tirando os companheiros de profissão de Alves, cuja única perspectiva que eu alimento em relação a eles é uma boa atuação na Copa, e foram orientados por uma agência de propaganda que disse que a melhor forma de se combater preconceito é acabar com a palavra, seja lá o que isso signifique, quem são os demais?

Nunca havia visto a prontidão de certos setores em apoiar uma ação antirracista sem contemporizar ou pedir calma aos ditos “radicais”.

Mas eu sei, sim, o porquê. Ouvi um cantor sertanejo dizer, enquanto comia bananas em apoio à causa, que essas ações, tanto a do jogador quanto a campanha, eram perfeitas porque seguiam os preceitos de Ghandi, de apanhar sem reagir.

A apresentadora concordou com um discurso vazio enquanto um humorista, também comendo dessa fruta, fazia sinal de aprovação.

A plateia aplaudia, enquanto recebia unidades do mesmo alimento.

Ao longo do dia, todo tipo de pessoas, insisto, todo tipo, se apresentava para a batalha contra o mal com a única arma exigida: uma foto postada em redes sociais comendo banana. Não, não somos macacos. Pensamos e raciocinamos.

A elite nacional e os pobres de espírito querem nos convencer de que somos todos iguais, todos “macacos” , que somos um povo unido e a questão do racismo se resume em falta de cortesia de torcedores em terras estrangeiras.

Basta portanto, ignorar ou devolver a ofensa, de preferência, de forma bem humorada.

Não, não somos macacos. Somos inteligentes.

Sabemos quais as causas, históricas e atuais que fizeram com que uma das únicas maneiras de ascensão do negro fosse através do futebol.

Se dependesse da turma dessa campanha, nem essa o seria. Porque foram e são contra todas as políticas que visem diminuir a desigualdade racial nesse país. Mas sejamos justos, também são contra diminuir a desigualdade social, de gênero, regional, ou qualquer fator que emancipe pobres, principalmente se esses forem negros.

Não, não somos macacos. Temos bom senso.

Sabemos que muitos que aderiram o fizeram de boa fé. Mas sabemos que as estrelas que aparecem nesse momento não têm em seus corpos de assessoria nenhum negro. Pesquisem.

O único nordestino em que votaram foi Fernando Collor. Pesquisem.

Acham que não são racistas porque têm motoristas e seguranças negros. Perguntem a eles, se puderem. Eles mesmo dirão isso.

Não, não somos macacos. Gente é o que somos.

Nenhum racista vai nos convencer do contrário.



Elias Candido*



*professor, militante da Igualdade Racial e presidente do Diretório Zonal do PT em V. Matilde.





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