"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

12 julho 2014

A mulher de Lot


Ao que parece olhei para trás por curiosidade.
Mas, para além de curiosidade, podia ter outras razões.
Olhei para trás com pena da malga de prata.
Por distração – ao atar a correia da sandália.
Para não ver mais os ombros justiceiros
do meu marido, Lot.
Com a certeza repentina de que, se eu morresse,
ele não se dignaria parar.
Com a desobediência dos humildes.
Ao escutar se alguém vinha atrás de nós.
Afetada pelo silêncio, na esperança de que Deus mudasse de ideias.
As nossas duas filhas afastavam-se já para além da colina.
Senti em mim a velhice. O afastamento.
A inutilidade da caminhada. A sonolência.
Olhei para trás ao pousar a trouxa no chão.
Olhei para trás receosa sem saber onde pôr o pé.
No meu caminho atravessaram-se cobras,
aranhas, ratos do campo e filhotes de abutre.
Já não eram nem bons nem maus – porque tudo o que estava vivo,
rastejava e pulava num alvoroço gregário.
Olhei para trás por solidão.
Com vergonha de fugir às escondidas.
Com vontade de gritar e regressar.
Ou terá sido somente quando se ergueu um pé-de-vento
que me soltou o cabelo e levantou o vestido,
ficando eu com a sensação de que atrás das muralhas de Sodoma
toda a gente estava a ver e desatara a rir às gargalhadas.
Olhei para trás cheia de raiva.
Para me saciar com a sua imensa destruição.
Olhei para trás por todos os motivos atrás invocados.
Olhei para trás sem querer.
Foi um pedregulho que se virou, rangendo sob os meus pés.
Foi uma fenda que de repente me cortou o caminho.
Na borda um hamster vacilava agarrando-se com duas patinhas.
E foi então que ambos olhámos para trás.
Não. Não. Eu continuei a correr,
rastejando e levantando voo,
enquanto as trevas não desabaram do céu
e, com elas, uma gravilha escaldante e pássaros mortos.
Com falta de ar, dei várias voltas.
Quem o visse, diria que eu estava a dançar.
Não é de excluir que tivesse os olhos abertos.
É possível que tivesse caído com o rosto virado para a cidade.


(de Wislawa Szymborska, na tradução de Regina Przybycien)



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07 julho 2014

Pra ler todo dia...


Saudade...e agora?


O amor não dói...


Mas é engraçado, o amor não dói. 
E não, não me faça essa cara de espanto, eu repito: o amor não dói. O ciúme, a insegurança, a desconfiança, a falta de, o medo de perder a pessoa amada, o medo de amar, o medo de nunca ter sentido tamanha felicidade na vida inteirinha, isso sim dói. 
O amor, amor como sentimento, amor como coisa plena, amor como som no peito, amor como sorriso no olho, amor como poesia na boca, amor como amor, esse não dói.

(Clarissa Corrêa)


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Um pouco de Mário Quintana...


Amor não é se envolver com a pessoa perfeita, aquela dos nossos sonhos.
Não existem príncipes nem princesas.
Encare a outra pessoa de forma sincera e real, exaltando suas qualidades, mas sabendo também de seus defeitos.
O amor só é lindo, quando encontramos alguém que nos transforma no melhor que podemos ser.

(Mário Quintana)



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Um pouco de Fernando Pessoa...


O meu passado é tudo quanto não consegui ser.
Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

(Fernando Pessoa)



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Revelação - Fagner


Um pouco de Dalai Lama...


Quando somos capazes de reconhecer e perdoar os atos de ignorância cometidos no passado, nós nos fortificamos e nos colocamos à altura de resolver de maneira construtiva os problemas do presente.

(Dalai Lama)


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05 julho 2014

Lembremos sempre...


Um pouco de Cecília Meireles...


Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)


(Cecília Meireles)


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