"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

29 janeiro 2014

Dica de livro: "Cuida de mim", de Daniela Sacerdoti


A vida de Eilidh Lawson está passando por uma séria crise. 

Após anos de tratamentos fracassados para engravidar, da traição de seu marido e de lidar com sua família egoísta, Eilidh entra em uma depressão profunda e fica sem chão.

Desesperada e sem forças, ela busca amparo e conforto em uma pequena vila ao Norte da Escócia, onde reencontra pessoas queridas e uma vida que havia ficado para trás.

Quando tudo parece perdido, Eilidh redescobre o amor pelo ser humano e por si própria e, então, coisas estranhas e forças sobrenaturais começam a aparecer.

Com a ajuda de uma alma amiga, alguém que se foi, mas que mesmo assim quer ajudá-la a lutar contra os egos e os medos, Eilidh encontra seu verdadeiro amor.

Editora Magnitudde.

*

A seguir um pequeno trecho do livro. 
Boa leitura!...



O dia mais estranho e mais maravilhoso da minha vida, o dia que mudou minha percepção sobre a vida e a morte, começou como qualquer outro. Acordei no mundo que sempre conheci e fui dormir envolta em um mistério.

Durante toda a vida nos mantemos ocupados, tentando ignorar o fato de que a escuridão, um dia muito em breve, vai chegar para nos pegar. A finitude, como ela é, não cabe em nossa vida, pois é assustadora demais, imponente.

Precisamos diminuir seu tamanho, percebendo todos os milhões de pequenas coisas diárias que definem as fronteiras de nossa realidade — usando os cinco sentidos do modo como devem ser utilizados para tocar e ver as coisas, coisas reais e presentes, parte desse lado da existência, o lado dos seres vivos.

Conferimos ao mistério um rosto humano; damos forma a algo disforme.

Inventamos rituais para definir as passagens, para transformar a vida e a morte em cerimônias, tornando-as mundanas e de alguma maneira mais fáceis de controlar, de compreender. Quando nasce um bebê, não nos debruçamos no motivo pelo qual aquela pequena alma está aqui, onde esteve antes, o que sabe… A nova mãe volta de sua excursão ao desconhecido, guiando o bebê da
escuridão à luz, e ambos são limpos, vestidos e preparados para parecerem como se nunca estivessem ido além… como se ela não tivesse ido ao subterrâneo, na escuridão, onde a vida e a morte se tocam e se misturam.

E, quando alguém morre, a família, com misericórdia, ocupa sua mente com todas as pequenas coisas desoladoras que precisamos fazer quando tudo termina — as flores, a comida, o que precisa ser guardado, o que precisa ser doado —, enquanto as lágrimas caem nos objetos deixados para trás: um par de chinelos, uma caneca, um roupão. Confortamo-nos, agarrando-nos em um braço
sólido, segurando em uma mão calorosa em que o sangue flui forte; sentimos o sangue sob a pele e ele grita tão alto, tão claro, que afasta a morte.

Como poderíamos, mesmo por um segundo, encarar o que realmente aconteceu — alguém estava lá e de repente não está mais, partiu para sempre, partiu em uma não existência — sem cair de joelhos e gritar de terror, pensando que isso um dia vai acontecer conosco, que vamos fechar os olhos e nunca mais abri-los? Como podemos ser corajosos no que diz respeito a contemplar a escuridão profunda e sem sentido que nos espera e ainda assim continuar vivendo?

"Se" a escuridão é o que nos espera.

Agora eu sei que não é.

O dia que começou como qualquer outro foi o dia em que todos os adereços supérfluos foram retirados da minha frente e pude olhar diretamente para o mistério. Vi uma pessoa que pensei que tivesse partido, e ela estava lá, parada na minha frente. Vi uma alma sem corpo e ela sorriu.

Talvez eu seja ingênua, talvez tenha diante de mim um monte de provas, a ciência e pensamentos dizendo que estou errada, mas acredito no que minha avó me contou anos atrás — o amor nunca morre, o que nos espera é o amor que sentimos quando estávamos vivos. Além do medo e da dor, o amor está lá para nos amparar quando caímos.

Foi isso que aprendi em uma noite de primavera nos bosques, e desde então não tenho mais medo.


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