Neste livro, o autor nos convida a abrir os olhos para essa curiosa relação, raramente percebida.
Uma das teses de Alain de Botton é a de que o que buscamos numa obra de arquitetura não está tão longe do que procuramos num amigo.
Ao construir uma casa ou decorar um cômodo, as pessoas querem mostrar quem são, lembrar de si próprias e ter sempre em mente como elas poderiam idealmente ser.
O lar, portanto, não é um refúgio apenas físico, mas também psicológico, o guardião da identidade de seus habitantes.
Seguindo esse raciocínio, o autor conclui que quando alguém acha bonita determinada construção, é porque a arquitetura reflete os valores de quem a elogia.
Afinal de contas, uma simples fachada pode ser acolhedora ou ameaçadora, humilde ou esnobe, aristocrática ou religiosa, pode relembrar o passado ou apontar para o futuro. Pode até mesmo expor as idéias de um governo.
Cada obra de arquitetura expõe uma visão de felicidade.
O debate chega, inevitavelmente, ao velho embate entre funcionalidade e beleza.
Para o autor, esses dois aspectos não são independentes nem excludentes. Ele vê a beleza como uma das funcionalidades da arquitetura.
Ou seja: as construções não são desenhadas apenas para funcionar de tal ou tal modo, mas também para refletir um ideal de beleza e transmitir mensagens.
Uma das funcionalidades mais comuns dos prédios de hoje é a psicológica, pois se buscam ambientes que dêem a sensação de segurança ou que passem a impressão de modernidade, riqueza, erudição ou simplicidade.
Um banheiro que não funciona direito incomoda tanto quanto um que não atenda à função estética e expressiva.
Para Alain de Botton, esses princípios valem até mesmo para o mais científico e racional dos arquitetos modernos - segundo o autor, as escadas de Le Corbusier, por exemplo, não foram projetadas apenas para servir de comunicação entre dois andares, mas também para sugerir um estado de alma e refletir um estilo de vida que o agradava.
* * *
Autor responsável pela popularização da filosofia desde os anos 90, o suíço radicado na Inglaterra Alain de Botton [...] escreve claro sobre temas que, durante séculos, estiveram reservados às esferas rarefeitas da academia.
Investiga o relacionamento entre os homens e as formas de morar.
Com clareza de professor e caloroso como um amigo, De Botton procura mostrar que a arquitetura tem um profundo poder sobre nossas emoções. E não se trata apenas daquela sensação de enlevo estético que experimentamos quando observamos uma construção que nos agrada.
Como mostra o autor, as formas externas dos prédios e suas dimensões internas podem, como as pessoas, afastar ou aproximar.
Com alma de poeta, Alain de Botton nos mostra que a pedra pode, sim, guardar alguma emoção.
* * *
Abaixo um pequeno e interessante trecho:
Uma casa geminada numa rua arborizada.
Hoje cedo, a casa ressoava com gritos de crianças e vozes de adultos, mas desde que o último ocupante partiu (com a sua mochila) há poucas horas, ela ficou sozinha para curtir a manhã.
O sol surgiu por cima da empena dos prédios em frente e agora entra pelas janelas do andar térreo, pintando as paredes internas de um amarelo amanteigado e aquecendo a fachada de ásperos tijolos vermelhos.
Dentro das faixas formadas pela luz do sol, partículas de pó movem-se como obedecendo ao ritmo de uma valsa silenciosa.
Do vestíbulo, o murmúrio baixo do tráfego alguns quarteirões adiante pode ser percebido. Ocasionalmente a caixa de correio se abre para receber um folheto melancólico.
A casa dá sinais de gostar do vazio.
Ela se reorganiza depois da noite, limpando os seus pulmões e estalando as juntas.
Esta criatura digna e amadurecida, com suas veias de cobre e pés de madeira aninhados numa camada de argila, suportou muita coisa: bolas lançadas contra as laterais do seu jardim, portas batidas com raiva, tentativas de plantar bananeira ao longo dos seus corredores, o peso e os ruídos de equipamentos elétricos e encanadores inexperientes sondando as suas vísceras.
Uma família de quatro pessoas, acompanhada de uma colônia de formigas ao redor das fundações e, na primavera, ninhadas de tordos nas chaminés.
Ela também empresta um ombro a uma frágil (ou apenas indolente) ervilha-de-cheiro que se encosta no muro do jardim, regalando-se com a corte peripatética de um círculo de abelhas.
A casa se transformou numa testemunha bem informada.
Foi cúmplice das primeiras seduções, vigiou os deveres de casa sendo feitos, observou bebês envoltos em cueiros recém-chegados do hospital, foi surpreendida no meio da noite por conversas sussurradas na cozinha.
Experimentou noites de inverno, quando as suas janelas ficavam frias como sacos de ervilhas congeladas, e crepúsculos no auge do verão, quando as suas paredes de tijolos tinham o calor de um pão recém-saído do forno.
Ela proporcionou não apenas refúgio físico mas também psicológico.
Tem sido uma guardiã da identidade.
Ao longo dos anos, seus donos retornaram depois de períodos de ausência e, olhando ao redor, lembraram quem eles eram.
As lajotas do pavimento térreo falam de serenidade e graça amadurecida, enquanto a regularidade dos armários da cozinha é um modelo de ordem e disciplina que não intimida.
A mesa de jantar, com a toalha de oleado estampada com grandes botões-de-ouro, sugere uma explosão de alegria aliviada por uma carrancuda parede de concreto próxima.
Junto da escada, pequenas naturezas-mortas com ovos e limões chamam a atenção para a complexidade e beleza das coisas cotidianas.
Na prateleira sob a janela, um jarro de vidro com centáureas ajuda a resistir à atração da melancolia.
No andar superior, uma sala vazia e estreita é espaço para tramar pensamentos revigorantes, sua clarabóia abre para nuvens impacientes que migram rápido sobre gruas e canos de chaminés.
Embora esta casa não tenha soluções para uma grande parte dos males que afligem seus ocupantes, seus aposentos são evidência de uma felicidade à qual a arquitetura deu a sua característica contribuição.
* * *
Fontes:
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/estante/estante_263127.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário