"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

14 julho 2014

Uma carta de amor


Extraída do excelente livro "Cartas do Front", de Andrew Carroll.

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Para ex-prisioneiros de guerra que estão prestes a se reencontrar com suas esposas ou noivas, saber que suas amadas permaneceram fieis a eles, às vezes por anos a fio, apenas aumentava o sentimento de felicidade.

Era justamente a perspectiva desses reencontros que dava a muitos prisioneiros a força necessária para suportar a provação física e mental, à qual muitas vezes parecia impossível sobreviver.

Homer James Colman, um soldado norte-americano de Salt Lake City, Utah, servindo no 57º Regimento de Infantaria, passou quase três anos como prisioneiro de guerra depois que as tropas norte-americanas entregaram as Filipinas aos japoneses em maio de 1942.

Depois de cinco meses de combate brutal, Colman e 10 mil outros prisioneiros aliados foram obrigados a participar da infame Marcha da Morte de Bataan, uma caminhada de 100 quilômetros sob o calor tropical, sem comida, água ou remédios, o que se provou fatal para muitos soldados já doentes e famintos.

Antes de embarcar para o Pacífico, em maio de 1941, Colman ficara noivo de Mary Parkman, uma jovem de Columbus, Geórgia.

Eles só voltaram a se ver na primavera de 1945.

A salvo e de volta aos EUA, Colman, que convalescia no Hospital Militar Walter Reed em Bethesda, Maryland (ele perdera quase metade de seu peso enquanto estivera prisioneiro), enviou à sua noiva a seguinte carta reafirmando a ela seu amor e sua devoção:

*

Minha querida Mary,


Levarei mais ou menos um dia para terminar esta carta que te escrevo.

Provavelmente, será a última carta que escreverei a Mary Parkman. Embora ela jamais deixe de ser minha namorada, a próxima vez que eu escrever, a destinatária será Mary Colman, minha mulher.

Adeus, Mary Parkman. Foste a mais fiel e adorável namorada, que, ao longo de tanto tempo, esperou sozinha, por horas, semanas e anos de incerteza por um soldado que a deixou com lágrimas nos olhos.

Foste uma das milhares de bravas mulheres que fizeram o mesmo nestes últimos quatro terríveis anos e que, a menos que a população mundial mude sua natureza da noite para o dia, continuarão vendo seus homens partirem para lutar uns contra os outros.

Mas eu tive sorte e tinha tuas preces para me trazer de volta para casa.

Eu poderia passar o resto de minha vida a dizer-te o quanto significavas para mim, durante aquelas longas noites de espera, e, no entanto, jamais seria capaz de descrever esse quadro com exatidão; as noites e os dias em que tu eras minha única razão para viver e por quem voltar, e o preciso momento em que percebi, em São Francisco, que poderia voltar a falar contigo de verdade.

Então veio a percepção que eu a veria em breve, não em um ou dois anos, mas em poucas e curtas semanas, quando te teria em meus braços e te beijaria, e sentiria o perfume de teus cabelos, e tudo o que és estaria ali.
Esses sentimentos que antes foram meus sonhos mais agradáveis agora são realidade.

E meu coração esta repleto de gratidão, não por ter regressado, mas por ter, ao voltar, te encontrado à minha espera. Só isso compensa milhares de vezes tudo o que por ventura te ofereci.

Pois todo o meu coração e todo o meu amor são teus, foram e continuarão a ser enquanto nós dois vivermos. Deus me dê a força e o poder para te fazer feliz.

E seu eu for capaz de te trazer a paz e a felicidade que quero que tenhas, então também serei feliz, pois não mais seremos apenas Mary Parkman e Jim Colman – duas pessoas distintas. Pois tu serás eu, e eu serei tu, e haverá apenas um onde antes haviam dois.

Então, nesta última carta à minha noiva, como estará em toda e qualquer carta à minha esposa, veja e encontre todo o amor que há aqui para ti. E talvez possas ver em alguma parte a vida a dois que será a tua e a minha e a de nossos filhos.

Uma vida que será cheia de ternura, compreensão e amor, e desse particular pedaço de felicidade pelo qual nós dois lutamos tanto tempo para possuir.

Boa noite, querida.

Para sempre, teu

Jim



Uma semana depois os dois se casaram na capela do hospital Walter Reed.



(in Cartas do Front, Andrew Carroll. Ed. Zahar)


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