"Nós não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana"

(Teillard de Chardin)

18 maio 2013

O homem que fotografava Espíritos





No estúdio de William H. Mumler, os milagres aconteciam.

Os abastados membros da sociedade norte-americana podiam tirar uma fotografia na companhia dos fantasmas dos entes queridos.

Só Mumler possuía a capacidade mediúnica de fotografar os espíritos — e foi graças a esta maravilhosa competência que ganhou fama e muito dinheiro.

Na década de 1860 nunca faltaram mortos para Mumler fotografar. Só a guerra civil americana — a chamada Guerra da Secessão, ocorrida entre 1861 e 1865 — fizera desaparecer três por cento da população americana: 970 mil pessoas, dos quais 618 mil eram soldados.

A guerra não era a única a devastar o coração dos vivos: não existiam condições sanitárias para grande parte da população, havia muita doença e a Medicina era insuficiente. Morriam muitos antes de tempo, principalmente crianças.

O Espiritismo — de uma forma simplificada, a crença segundo a qual é possível estabelecer contacto com os mortos e conhecer pormenores sobre o Além — tinha ocupado a mente do grande público a partir de 1850, com as célebres sessões espíritas mediúnicas das irmãs Fox. 

Trinta e oito anos depois, a 21 de Outubro de 1888, uma das irmãs, Margaret, admitiu as fraudes e explicou os truques numa confissão escrita para o New York World, mas a maioria dos crentes considera que Margaret Fox mentiu ou foi forçada a mentir.

Mumler sempre estivera  interessado em fazer experiências com uma nova e intrigante tecnologia — a fotografia.

Tinha 29 anos quando notou que uma anterior exposição tinha permanecido na placa reveladora, provocando acidentalmente uma dupla exposição de fotos, ou seja, a sobreposição de duas figuras na imagem.

Viu-se então na companhia feminina da foto anterior. Mostrou-a  a amigos, garantindo que a figura era o espectro de uma prima já falecida.


Madame Lincoln

Encorajado pela reação crédula que obteve, levou a fotografia a um especialista em Espiritismo — este caiu que nem um patinho. 

Em breve, a foto corria as publicações espíritas americanas, bem como cartões de visita distribuídos em Boston com uma reprodução do retrato de Mumler na companhia da Além-prima. 

E Mumler acabou por deixar a profissão de joalheiro para se dedicar ao lucrativo negócio dos fantasmas fotogênicos.

O que deu verdadeira notoriedade a William H. Mumler foi a visita ao seu estúdio de uma misteriosa senhora de negro que se veio a saber mais tarde ser a ex-primeira-dama Mary Todd Lincoln, viúva do presidente Abraham Lincoln.

Mary Todd era uma conhecida participante de sessões espíritas e a cruel tragédia da sua vida contribuíra para que procurasse no Além o consolo que não conseguia encontrar no mundo terreno: o filho Edward Baker Lincoln, nascido em 1846, morreu aos quatro anos, vítima de cancro medular da tiróide; o filho William Wallace, nascido em 1850, morreu de febre tifóide aos 11; a 15 de Abril de 1865, o marido foi assassinado; cinco anos depois perdia o terceiro filho, Ted, levado pela tuberculose aos 18. O único que ela não viu morrer foi o quarto filho, Robert Tod.


Física miséria

Mary Todd tinha problemas psicológicos graves — os primeiros sinais surgiram após a morte do filho William. 

Os sintomas de esquizofrenia agravaram-se com o tempo e a ex-primeira dama chegou a ficar internada num hospital psiquiátrico.

Foi portanto a esta senhora doente e fragilizada pela tragédia que Mumler revelou um assombroso retrato onde o espírito do falecido marido a consolava das suas perdas.

Muitos outros notáveis se seguiram, incluindo o editor Moses A. Dow, da Waverley Magazine, que se deixou fotografar na companhia do espírito de uma antiga assistente pessoal.

Os problemas na carreira de William Mumler começaram quando se descobriu que alguns dos rostos convenientemente desvanecidos dos morto pertenciam a pessoas que ainda estavam vivas. 

E a situação piorou quando começou a circular a suspeita de que o fotógrafo dos espíritos tinha por hábito arrombar as casas de alguns dos seus clientes à procura de fotos que pudesse sobrepor.

Finalmente, em fins de Março de 1869, já com estúdio montado em Nova Iorque, William foi detido pela polícia sob a acusação de fraude.

O julgamento foi um dos acontecimentos mais mediáticos da época, com dezenas de jornalistas de todo o país destacados para cobrir o acontecimento. 

Dezenas de fotógrafos testemunharam em tribunal, mostrando ao juiz como a fraude podia ser feita através da dupla exposição dos retratos.

Dezenas de testemunhas também foram a tribunal defender a idoneidade  de Mumler, sobretudo os seus clientes, gratos pela possibilidade de se reunirem com os queridos mortos através de uma fotografia.

O juiz acabou por determinar que as provas apresentadas pela acusação não eram suficientes para o acusar de fraude, mas também deu a entender que pessoalmente considerava Mumler um vigarista.

Mumler foi libertado, abandonou Nova Iorque e regressou a Boston, escreveu uma auto­biografia na qual nunca assumiu a marosca, mas a sua reputação sofreu um rombo extraordinário e ele nunca mais conseguiu retomar a sua carreira de fotógrafo do Além. 

Morreu na miséria. E depois disso nunca mais se deixou fotografar.


(texto de Marco Santos)





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